As histórias por trás das relíquias do genial B.B. King
Uma mostra saborosa em São Paulo narra a vida e carreira do gênio da guitarra, à luz da luta da população negra americana pelos direitos civis
No dia 7 de outubro de 2012, o ícone do blues B.B. King agitou a plateia do Bourbon Street Music Club, em São Paulo, na última das cinco apresentações que fez no Brasil naquele ano. Ao final, ele autografou sua guitarra, apelidada de Lucille, e a deu de presente ao Bourbon — casa que inaugurara anos antes, em 1993, com quatro noites de apresentação. Morto em 2015, aos 89 anos, ele não voltaria ao Brasil depois daquela noite, o que fez da guitarra uma tremenda relíquia — e sua despedida do país. O instrumento é um dos tesouros agora expostos na mostra B.B. King: um Mundo Melhor em Algum Lugar, em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo.
Com curadoria de André Sturm e Cacau Ras, a exposição inédita traz para o Brasil itens históricos do B.B. King Museum, como o primeiro Grammy recebido por ele, em 1971, roupas e imagens de arquivo. Mais que retratar a vida do rei do blues, a exposição usa sua carreira como fio condutor para tratar dos anos de segregação e dos avanços dos direitos civis dos negros americanos. “Pensamos na exposição de uma forma que mostre como as coisas foram se desenvolvendo e como o B.B. King é parte disso. Ele foi um dos primeiros artistas negros a cantar para plateias brancas”, explica o curador Sturm.
B. B. King: His Definitive Greatest Hits
Nascido no Mississippi, em 1925, Riley B. King cresceu em um mundo onde negros não podiam usar o mesmo banheiro ou frequentar as mesmas escolas que brancos, e contrariar a segregação resultava em prisão ou morte. No documentário B.B. King, The Life of Riley, o músico relembra o momento em que viu um garoto negro ser enforcado por uma situação envolvendo uma mulher branca. “É como ver pessoas serem mortas na guerra. Você não esquece”, disse ele. Tal realidade é reproduzida de maneira simbólica, e inevitavelmente desconfortável, na mostra. Há, por exemplo, uma porta para brancos e outra para negros e uma reprodução do ônibus em que a ativista Rosa Parks foi presa, em 1955, ao se recusar a ceder o lugar para um branco, desencadeando a luta pelos direitos civis americanos.
Naquela época, B.B. King já rodava os Estados Unidos em maratonas frenéticas de shows — que incluíam até mesmo presídios, com sua população majoritariamente negra. Nascido em uma família pobre, ele passou a infância e adolescência trabalhando em fazendas de algodão, e aprendeu a tocar guitarra com o instrumento do marido de uma tia, que era pastor. Determinado a perseguir a carreira musical, partiu em 1947, aos 22 anos, para Memphis, no Tennessee. Lá, King estourou na rádio com o sucesso 3 O’Clock Blues, e passou a excursionar pelo país. A guitarra inconfundível fez de King o maior expoente do gênero. Mesmo assim, ele só seria recebido por uma audiência branca anos depois, em 1968, em um show em São Francisco, quando já havia lançado uma série de discos.
Além de ícone do blues, King é tido como um dos grandes guitarristas de todos os tempos, e influenciou nomes que hoje integram a seu lado o hall dos gênios do instrumento, como Eric Clapton, Jimi Hendrix e George Harrison. Músico prolífico, ele chegou a gravar em torno de cinquenta discos e tocou em mais de noventa países ao longo da carreira. Edgard Radesca, fundador do Bourbon, organizou cerca de quarenta shows do cantor no Brasil, e se tornou um amigo íntimo de King. “Ele gostava de viajar de ônibus. Me lembro da gente parar em um posto de gasolina e ele sentar no banquinho para conversar com a dona”, relembra Radesca. “Mesmo com todo o sucesso e dinheiro, ele era uma pessoa simples e que olhava sempre para os menos favorecidos”, conta ele. Ninguém nasce rei por acaso.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852
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