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‘Antonio Candido nos ensinou como a literatura reflete o país’

Em entrevista a VEJA, a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz destaca a importância e o legado do maior crítico literário brasileiro

Por Rafael Aloi Atualizado em 12 Maio 2017, 14h10 - Publicado em 12 Maio 2017, 14h08

Antonio Candido (1918-2016), o crítico literário mais importante do Brasil, morreu nesta sexta-feira aos 98 anos. Candido atuou como professor de sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). “Foi um intérprete fundamental do Brasil. Ele nos ensinou como a literatura reflete o país”, afirma Lilia Schwarcz, professora de Antropologia da USP e da Universidade de Princeton, e membro do Conselho Editorial da Companhia das Letras.

Nos seus estudos, ele usou a literatura como base para uma análise social do Brasil.  “Ele diz que você só pode entender a literatura brasileira se você olhar para a obra, o contexto e a recepção. Ele é autor de livros fundamentais e escreveu ensaios que viraram interpretações do país”, completa Lilia. Formação da Literatura Brasileira (1959) é seu livro mais conhecido e usado por estudantes e professores universitários, mas seu pensamento sobre literatura se expande em ensaios e estudos distribuídos em coletâneas, como Brigada Ligeira (1945) e O Discurso e A Cidade (1993). Também foi fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980.

Confira abaixo a entrevista com Lilia Schwarcz:

 

Qual foi a importância de Antonio Candido? Antonio Candido foi um intérprete fundamental do Brasil. Ele se formou em literatura, mas depois começou a lecionar na cadeira de sociologia, e era quase um consultor de cânones. Ele produziu uma visão de literatura que era uma crítica social da literatura. Ele diz que você só pode entender a literatura brasileira se você entender a obra, o contexto, e a recepção. Ele é autor de livros fundamentais e escreveu ensaios que viraram interpretações do país. Como, por exemplo, analisou o romance Memórias de um Sargento de Milícias (de Manuel Antônio de Almeida) em Dialética da Malandragem, que é uma forma também de pensar e de rever o Brasil. Ele escreveu na Folha da Manhã, no Diário de São Paulo, foi fundador do Partidos dos Trabalhadores, organizou o suplemento literário do Estado de São Paulo, que foi fundamental. Ele teve esse papel, como mestre, como crítico e como formador.

Qual o seu principal legado? Ele vem de uma geração que conseguiu pensar o Brasil de forma grande, que conseguiu refletir e incluir a nossa literatura em um campo amplo, e deixa esse legado de integridade. Era uma pessoa profundamente honesta e curiosa. Era uma pessoa que, quando você ia à casa dele, fazia qualquer pessoa se sentir melhor. Sempre muito interessado nas culturas e interpretações que fazem o Brasil, tendo como seu porto seguro a literatura.

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Que obra de Antonio Candido não se pode deixar de ler? Impossível dizer. Talvez a mais conhecida seja Formação da Literatura Brasileira, de 1959. Mas Parceiros do Rio Bonito, que é uma etnografia do Antonio Candido, de 1964, é uma obra que ninguém pode deixar de ler para entender o que é esse Brasil profundo, esse Brasil do nosso campo. Tem uma pequena obra, Um Funcionário da Monarquia (2002), em que ele trata teoricamente de um membro da família dele, mas dá uma lição de como a gente não faz só história com grandes personagens. Isso é só para citar algumas.

De que forma os escritos mudaram a literatura brasileira? Ele é uma espécie de Midas. Ele tinha essa capacidade de organizar tradições, o nosso cânone. No melhor sentido, não no sentido de fechá-lo. Ele vai deixar esse legado da discussão do modernismo no Brasil, sobre a importância de pensar a nossa literatura para refletir sobre o país. Vai deixar também o legado de intelectual público. Ele foi, na sua época, um intelectual de muito debate, muita crítica, intervenção, de muita idoneidade.

O que não teríamos sem Antonio Candido? Não teríamos essa discussão sobre o modernismo. Ele é um autor que de alguma forma foi animador de outros intelectuais, como Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo. Não teríamos essa pessoa com capacidade de escuta tão grande. Ele teve discípulos da maior importância, como Davi Arriguci e Jorge Schwartz, e ao citar apenas dois eu vou incorrer em erro. Além disso, ele fez parte de uma família sensacional. A Dona Gilda de Mello e Souza (esposa de Candido) também foi uma intérprete fundamental do Brasil, em seus ensaios sobre moda. Também as suas três filhas (a designer e escritora Ana Luísa Escorel, e as historiadoras Laura de Mello e Souza e Marina de Mello e Souza), que são intelectuais de primeira grandeza no Brasil.

Retrato da antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz, em São Paulo (SP) - 07/05/2015
Retrato da antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz, em São Paulo (SP) – 07/05/2015 (Karime Xavier/Folhapress)
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