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Almodóvar e Tilda Swinton lançam em Veneza filme feito na pandemia

Apenas com a atriz inglesa no elenco, diretor espanhol retoma trama que inspirou ‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’

Por Lucas Almeida, de Veneza
Atualizado em 3 set 2020, 18h22 - Publicado em 3 set 2020, 14h40

Em 1988, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar ganhou fama mundial ao escrever e dirigir o filme Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. A trama da atriz que tentava o contato com o amante desaparecido era inspirada na peça do poeta francês Jean Cocteau, A Voz Humana, escrita no final dos anos 1920. Mais de três décadas depois, Almodóvar voltou ao texto original para uma adaptação mais literal. O curta-metragem de 30 minutos, que carrega o mesmo nome da peça, estreou nesta quinta-feira, 3, na 77° edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza.

O curta foi gravado este ano na Espanha, durante a pandemia, após o fim da quarentena no país. Tilda interpreta a mulher que espera a visita de um amante há três dias. Quando o homem aguardado liga para o celular dela, o monólogo da protagonista, que atua sozinha em toda a produção, começa. O telefone usado na peça de Cocteau foi substituído por um celular com fones sem fio, o que garantiu à personagem a liberdade de andar pelos cômodos da casa. E que casa. No melhor estilo Almodóvar, cenário, figurino e atriz se misturam e se valorizam, em um constante jogo de cores e emoções. Ao longo do diálogo, a personagem reflete sobre as escolhas de vida que a levaram até aquele momento.

“Eu não corrigi um clássico, mas digeri um texto, para que ele se tornasse meu”, declarou Almodóvar em coletiva de imprensa nesta manhã. O curta ainda marca o primeiro filme em inglês do diretor espanhol. “Foi um alívio gravar em inglês, porque era tudo tão novo”, declarou o diretor, que escreveu a primeira versão do roteiro em espanhol. “Dei liberdade para Tilda mudar expressões que ela considerava mais adequadas.”

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Tilda Swinton no curta de ‘A Voz Humana’, de Pedro Almodóvar: a constante espera de uma mulher isolada (//Divulgação)

Além de ser aplaudida pela produção, Tilda, na noite de abertura, na quarta-feira, 2, foi aclamada com um Leão de Ouro honorário, que celebrava sua carreira. “Eu tenho um amigo que é monge. Ele sempre dizia que estava rezando para que eu trabalhasse com Pedro Almodóvar”, revelou Swinton. “Eu não falo, nem entendo espanhol, mas falamos a língua do cinema.”

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Almodóvar é dos diretores que mantém um mesmo time seleto de atores em diversos trabalhos. Caso de Penélope Cruz e Antonio Banderas, por exemplo. Agora, a atriz inglesa entrou para a lista. “Eu quero trabalhar mais com a Tilda. Ainda precisamos de um roteiro, mas vou trabalhar nisso”, disse o diretor.

A sessão destinada à imprensa e à indústria, que ocorreu na manhã desta quinta-feira, 3, estava com quase todos os 518 lugares da Sala Grande ocupados. Em anos anteriores, o local chegava a comportar 1031 pessoas, mas metade dos assentos devem ficar vazios, em respeito ao distanciamento social.

Com exceção de uma cena de abertura, A Voz Humana se passa todo dentro do apartamento da protagonista. Os posicionamentos da câmera e a iluminação fazem questão de evidenciar que o cenário é montado em um estúdio. Cenas revelam a divisão entre as paredes de madeira, a falta de um teto e de uma sacada mencionada pela personagem, que é apenas uma cadeira no meio do galpão de gravações.

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A estética, que remete ao teatro, onde o público é capaz de ver as limitações do cenário no palco, é uma escolha que Almodóvar deve repetir. “Escrevi o roteiro de mais dois filmes e ambos são bem teatrais. Assim, eu não vou tão longe e a minha coluna fica bem melhor”, brincou o diretor, que completa 71 anos em setembro.

O espanhol ainda revelou que começará a gravar o seu próximo filme em outubro. Será uma distopia, em que os cinemas não existem na Espanha. “A quarentena nos mostrou que nossa casa é um lugar em que, de alguma forma, estamos presos. O cinema é uma forma de se opor a isso. Temos que nos vestir, sair na rua, ficar em um lugar escuro e, em certo momento, você se vê chorando ao lado de pessoas desconhecidas”, analisou o cineasta.

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