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A péssima ideia do governo de taxar venda de livros porque “só ricos” leem

Justificativa da Receita para fim de incentivo é que famílias com renda de até dois salários mínimos só consumiriam livros didáticos; editores contestam

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Tamara Nassif Atualizado em 8 abr 2021, 11h53 - Publicado em 8 abr 2021, 08h43

Dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em 2020, apontam que o brasileiro lê apenas cinco livros por ano – enquanto a média mundial é de doze obras no mesmo período. A baixa adesão dos cidadãos do país à leitura é uma tragédia crônica que muitos governos, com maior ou menor boa vontade, buscaram em vão reverter ao longo de décadas. Mas o governo atual aparentemente não se importa com seus efeitos – muito pelo contrário.

Um novo documento sobre reforma tributária, lançado esta semana pela Receita Federal, defende o fim da isenção de impostos para livros. Segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), isso poderia aumentar em 20% o preço final para o consumidor – a medida seria, em resumo, um eloquente incentivo para o brasileiro ler menos. “É uma aberração o que estão querendo fazer com um produto tão nobre e tão democrático”, resume Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL).

Ao gritar contra uma ideia dessas, é claro que o setor quer defender seu peixe – afinal, elevar o imposto sobre os livros pode ser o golpe de misericórdia num mercado combalido por uma crise sem fim, e que ganhou tons dramáticos na pandemia. Mas a questão não pode ser vista só como um problema econômico: tem a ver com o que se espera do Brasil para as futuras gerações.

A justificativa da Receita é que a maior parte dos livros no país é consumida pelos ricos, com renda superior a dez salários mínimos. Com base na última Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, o fisco crava ainda que famílias com renda de até dois salários mínimos apenas consomem livros didáticos. Usar esses dados como argumento para eliminar o incentivo à leitura é de uma miopia tacanha: se o pobre não gosta de ler mesmo, que se dane o preço do livro, eis o que está quase explícito no raciocínio. Mas o fato de o brasileiro – pobre ou rico – ler desesperadamente pouco é um problema grave, uma vergonha nacional a ser superada. Ir na contramão disso é assumir-se como a pátria da ignorância.

A mudança proposta em gestação na Receita Federal prevê a criação de uma alíquota de 12% sobre operações com bens e serviços no mercado interno e em importações – incluindo livros. Segundo o documento, os benefícios fiscais “foram revistos com o objetivo de avaliar sua efetividade” e “qual a camada da população que estaria se beneficiando”. Assim, a Receita afirma que não existem avaliações que indiquem redução do preço dos livros após a concessão da isenção da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.

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As pesquisas que se debruçam sobre o consumo de livros no países, contudo, desmentem essa percepção superficial. Os números do levantamento Retratos da Leitura no Brasil mostram um quadro alarmante: de 2015 para 2019, a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52%, sendo a maior queda observada justamente entre a classe A, na qual o percentual de leitores passou de 76% para 67%. “

“Não procede dizer que quem consome livros, exceto os didáticos, é a elite”, diz Tavares, da CBL. “Ele é feito para todas as camadas da população”. Segundo a mesma pesquisa, 27 milhões de pessoas das classes C, D e E dizem que gostariam de ler mais. “São brasileiros que não consomem mais livros porque o poder aquisitivo deles é baixo. Eles querem ler mais. Por isso que temos que ter grandes bibliotecas, escolas muito boas. O caminho para transformar um país, ainda mais do tamanho do Brasil, é pela educação, pelos bons livros que devem ser acessíveis para todas as camadas da população”, conclui Tavares.

A mesma percepção de que o diagnóstico é o oposto daquele feito pela Receita vem da observação de quem lida com o público diretamente nas livrarias e eventos do ramo. “A impressão que eu tenho é que (os técnicos do governo) nunca foram a uma Bienal do Livro. Lá, se testemunham cenas muito emocionantes. São pessoas que vieram da periferia, que juntaram um dinheiro específico para ir ao evento à espera de que as editoras consigam fazer um preço um pouquinho melhor, que literalmente contam moedas para comprar um livro”, diz Mauro Palermo, diretor da Globo Livros. “Essas pessoas não são da elite, e a intenção delas é claramente a ascensão social, buscando um passaporte para uma vida melhor através da leitura. Não tem coisa mais nobre que isso”, completa. Não há como discordar.

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