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‘A pandemia nos fez questionar o que é essencial’, diz guru do minimalismo

Joshua Fields Millburn, do documentário ‘Minimalismo Já’, da Netflix, fala a VEJA sobre seu estilo de vida e ensina métodos para aderir à onda do desapego

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 jan 2021, 12h52 - Publicado em 29 jan 2021, 10h17

Amigos de infância, Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, ambos de 39 anos, se tornaram conhecidos ao divulgar com didatismo e um discurso moderado o estilo de vida chamado de minimalismo. Criadores do blog The Minimalists, hoje eles assinam livros, fazem palestras e, recentemente, lançaram um segundo documentário: Minimalismo Já, na Netflix. Para os dois, uma vida com menos coisas é uma vida com mais qualidade, propícia para uma melhor saúde mental e financeira. A VEJA, Millburn falou sobre as razões que o levaram a aderir ao estilo de vida e dicas para quem também quer praticar a arte do desapego.

O site The Minimalists foi fundado em 2010. De lá para cá, algo mudou na sua visão sobre o minimalismo? Sim, com certeza. Quando eu descobri o minimalismo, me pareceu um estilo de vida para solteiros, não para uma família. Mas, quanto mais eu aprendia a respeito, mais entendia que esse é um estilo de vida que não é para todo mundo, mas para qualquer um que esteja insatisfeito com o status quo do consumismo. Que está descontente com a quantidade de coisas que tem em casa. E comecei a encontrar casos de famílias grandes, casais com seis filhos, que são minimalistas. Também conheci diferentes tipos de minimalistas que me fizeram entender que isso não é uma ideologia, nem um estilo de vida rígido ou radical, mas sim um estilo de vida prático.

O que significa então ser um minimalista? Não sei no Brasil, mas nos Estados Unidos a média de objetos em uma casa comum é de 300 000 itens. Não acho que bens materiais sejam ruins, o problema é acreditar que essas coisas vão trazer felicidade. Coisas não trazem felicidade. Muitas pessoas creem que ficarão felizes ao comprar algo, mas, muitas vezes, acontece o contrário. Inicialmente o objeto de desejo, claro, traz alegria, mas e depois? Quando essa alegria acaba, a pessoa compra outra coisa, e assim por diante. Achamos que a solução para nossos problemas é ter mais e mais coisas, o que resulta em dívidas. Essas dívidas tiram nossa paz, nossa liberdade. E assim muitas pessoas vivem infelizes, sem parar para questionar o que de fato é importante para elas.

Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus nos bastidores do documentário 'Minimalismo Já', da Netflix -
Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus nos bastidores do documentário ‘Minimalismo Já’, da Netflix – (//Divulgação)

Com a pandemia, acredita que as pessoas passaram a prestar mais atenção na quantidade de coisas que possuem, já que estão mais tempo em casa? Isso pode causar uma onda de desapego eventualmente? Sim, creio que sim. Muitas pessoas estão entrando em contato conosco, relatando esse tipo de situação surgida em 2020. A pandemia nos fez questionar sobre o que é essencial. Ouvimos sobre serviços essenciais, profissionais essenciais, viagens essenciais. E o que é essencial? Foi assim que abracei o minimalismo, ao entender o que era essencial de fato na minha vida. E isso vai além de posses materiais. Nossas posses são apenas uma manifestação física externa do que acontece dentro da gente.

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Como assim? Em alguns momentos você se questiona: por que eu tenho todas essas coisas? E então descobre que também tem muito acúmulo emocional, mental, espiritual, psicológico. Ao lidar com o acúmulo e a bagunça externos, que são suas posses, você começa a notar a bagunça interna.

No documentário Minimalismo Já, lançado este ano pela Netflix, as redes sociais se mostram peças-chaves na engrenagem do consumismo. É possível ser um minimalista nas redes também? Sim. O minimalismo se estende ao mundo digital. Pois no cerne do minimalismo está a sua atenção e para onde ela é dirigida. Se as redes sociais estão ocupando este centro das atenções, se estão minando suas forças, elas podem ser um peso extra que você tem carregado. Normalmente, sou questionado sobre como podemos viver com menos, e isso se aplica ao uso do celular.

Como driblar esse vício? Eu desenvolvi métodos. Por exemplo, não olho o celular de manhã, logo quando acordo. E decidi deixar o celular em um local específico da casa. Criei um limite físico. Assim, quando quero usá-lo, tenho de fazer isso de forma consciente, me deslocando até esse lugar na casa, e assim evito que o uso do celular seja um hábito involuntário.

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Vocês costumam ressaltar que antes do minimalismo trabalhavam no mundo corporativo, ganhando um salário acima dos 100 000 dólares anuais. Como lidam hoje com o dinheiro? Os ganhos com a pregação do minimalismo em turnês, livros e filmes já igualaram o salário que recebiam antes? Bem, primeiramente, não sou alérgico a dinheiro. A questão é que não dou ao dinheiro tanto poder como eu dava antes. Não, hoje não ganho o mesmo que eu ganhava quando estava no mundo corporativo. Lá eu ganhava mais, tinha um cargo alto e vários benefícios que esses trabalhos oferecem. E não há nada de errado em ganhar e fazer dinheiro. Se alguém me der uma sacola de dinheiro, não vou recusar. Mas eu decidi não sacrificar meus valores por causa do dinheiro. Eu tinha muitas dívidas antes, e decidi que não as teria mais. E isso me dá muita liberdade. Hoje me dedico a tentar fazer a vida de outras pessoas melhor. Se consigo ganhar dinheiro com isso, não vejo problema.

Uma de suas falas de impacto no documentário é: “Eu não tenho muitas coisas, mas tudo que tenho adiciona valor à minha vida”. O que isso significa? Minha família e eu não temos muitas coisas, mas tudo o que temos ou que trazemos para nossas vidas passa pelas perguntas: isso traz tranquilidade à minha vida? Ou isso vai me ajudar de alguma forma? Costumamos achar que uma nova compra trará felicidade, mas confundimos felicidade passageira com contentamento duradouro. No longo prazo, essas aquisições podem me entristecer, podem exigir uma grande quantia em dinheiro para manutenção. Tudo o que você compra não custa só o preço da etiqueta. É o custo de guardar aquilo, de cuidar daquilo, de limpá-lo, de recarregar baterias, de colocar combustível. Enfim, existem muitos preços embutidos que mais tarde podem afetar nossa saúde mental e financeira.

Qual a dica mais eficaz para alguém que quer se tornar um minimalista? Existem métodos que eu costumo recomendar. Um deles é se questionar: como minha vida pode ser melhor com menos? Essa pergunta ajuda a identificar o propósito de uma vida mais simples, e assim perceber o que está em excesso e pode ir embora. Outro método interessante é o dos 30 dias. É um desafio que fica mais fácil e divertido se você fizer com alguém ou contar sobre seu progresso para outra pessoa. Basicamente, no primeiro dia, você tira uma coisa da sua vida. Pode doar, vender ou jogar fora. No segundo dia, duas coisas. No terceiro, três. E assim até chegar a trinta objetos no trigésimo dia. No final, você terá se livrado de quase 500 itens. É um bom começo para quem quer desapegar.

 

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