Tendência ou polêmica? A injustificada volta das peles ao cenário fashion
Vintage ou falsas, uso de pele levanta lebre para a crueldade animal e agressão ao ambiente por combustíveis fósseis. Pele vegetal é alternativa

Que o conservadorismo trazido à tona pelo governo de Donald Trump nos Estados Unidos está influenciando vários setores da indústria, sabemos. E a moda não passou incólume. Algumas tendências do passado, inclusive bem polêmicas como a volta ao culto da magreza extrema, vem dando as caras nas passarelas, redes sociais e entre a Geração Z. Em roupas, uma em especial anda causando bastante desconforto entre ativistas: o retorno do uso de peles.
Mesmo que (ainda) não tenha ganhado força pela matança de animais, já que as peles disseminadas ou são sintéticas ou vintage, levanta algumas questões difíceis. E perguntas como uma pele falsa à base de plantas poderia ser um caminho a seguir?
De Tory Burch, em Nova York, e Simone Rocha, em Londres, à Fendi em Milão e Miu Miu em Paris, as peles dominaram as passarelas do outono/inverno 2025. Entre as celebridades, fashionistas como Hailey Bieber, Kendall e Kylie Jenner, além de estrelas da música pop como Taylor Swift e Rihanna, surgiram embrulhadas em casacos de pele falsos e vintage no início do ano.
A última vez que as peles chegaram às manchetes foi em 2017, quando a Gucci prometeu não usar mais peles, influenciando uma série de marcas de grife a seguir o mesmo caminho. A medida foi muito bem recebida por defensores dos direitos dos animais, mas o que se seguiu foi um novo problema: as peles reais foram substituídas por alternativas sintéticas derivadas de combustíveis fósseis. Aí vem a pergunta que não quer calar: dadas as tensões em torno do bem-estar animal e do meio ambiente, por que as peles estão firmemente de volta à moda?
Tudo começou no início de 2024 com a chegada de uma tendência ostentosa chamada “esposa da máfia”, como uma tentativa de resposta ao minimalismo com aura de riqueza denominado “quiet luxury”. A tal estética não vingou, mas levantou lebre. “Reviver looks históricos para roupas contemporâneas é um escapismo, e quem não quer um pouco disso?”, questionou Natascha Radclyffe-Thomas, professora em negócios de moda e empreendedorismo, na Ravensbourne University. “Eu estava na sala quando [o ex-CEO] Marco Bizzarri anunciou que a Gucci não usaria mais pele de animal em suas coleções. Uma mudança incrível para uma marca de luxo italiana onde a pele era um material tão prevalente. Mas o tópico de pele falsa também é complicado”, disse ela à BBC de Londres.
Logo após a decisão da maioria das grifes de luxo em abandonar de vez as peles verdadeiras em suas coleções, o mercado se voltou para peles artificiais “divertidas”, de baixo custo, em cores brilhantes que não tentavam imitar as reais. Agora, evoluiu para um novo nível de qualidade em que a maioria dos consumidores não saberia a diferença entre peles verdadeiras e falsas.
E aí também mora um problema já que, mesmo durando mais – o que significa que é mais provável que sejam passadas adiante, revendidas ou alugadas em vez de descartadas – essas peles artificiais de boa qualidade aumentam a produção de combustíveis fósseis, sendo o poliéster o mais comum, respondendo por 57% de toda a produção de fibras. Até mesmo roupas feitas de poliéster reciclado são problemáticas porque o modelo não é circular. A grande maioria é feita usando garrafas plásticas – não tecidos velhos – o que significa que não podem ser recicladas novamente e provavelmente acabarão em aterros sanitários.
Em Circulação
Assim, uma maneira de manter peles artificiais fora dos aterros sanitários – ou atrasar seu destino final – é mantê-las em circulação. Na empresa de aluguel de moda By Rotation, o aluguel de peles artificiais vem aumentando, antes mesmo dos desfiles recentes. A marca londrina Charlotte Simone – cujos casacos de pele artificial foram usados por Taylor Swift, Dua Lipa e Madonna – é a terceira marca mais alugada entre casacos e jaquetas. “Pele artificial de alta qualidade e bem-feita, especialmente de marcas de grife, tende a durar mais, o que significa que é mais provável que seja passada adiante, revendida ou alugada em vez de descartada”, disse a fundadora e CEO Eshita Kabra-Davies.
Espera-se que o mercado global de roupas de segunda mão alcance US$ 367 bilhões até 2029, com um número recorde de compradores de roupas usadas em 2024. Infelizmente, porém, desde a apresentação das coleções de outono/inverno 2025, as pesquisas por peles reais também aumentaram em plataformas de aluguel e varejistas online, mas isso não quer dizer que voltem as matanças como antigamente.
Mudando gostos
Holly Watkins, dona da boutique vintage One Scoop Store no norte de Londres, diz que nos últimos anos se viu uma mudança considerável da venda de peles verdadeiras para alternativas falsas, em resposta às mudanças de gosto e demandas dos clientes. “Eu só vendo peles verdadeiras se forem peças vintage”, contou à BBC. “Pessoalmente, eu não tenho problemas com peles velhas [reais] — é melhor prolongar sua vida útil do que mandá-las para aterros sanitários.”
Conversas com revendedores vintage no oeste de Londres, porém, revelam que algumas lojas nunca pararam de vender peles verdadeiras, tanto antigas quanto novas, para compradores mais jovens. Em um artigo recente, “A moda virou pele. Os clientes jovens querem mais”, o Wall Street Journal diz que é a Geração Z que lidera o renascimento das peles vintage.
A Madison Avenue Furs, a maior compradora de peles usadas nos EUA, relata um aumento significativo nas vendas, particularmente de peças usadas. “Vimos estudantes universitários comprar peles, o que não acontecia há anos”, disse Larry Cowit, dono da Madison Avenue Furs. “As novas peles eram uma preocupação para muitos dos compradores mais jovens e – eticamente – eles estavam confortáveis com o vintage.” Peles vintage que incluem vison, raposa e castor em silhuetas oversized – de marcas como Christian Dior, Fendi, Oscar de la Renta, Prada e Yves Saint Laurent.
Nas passarelas das últimas semanas de moda, muitas das peles eram artificiais, embora entre as manchetes da Paris Fashion Week estivesse um casaco de vison feito de pele vintage verdadeira por Gabriela Hearst, uma marca de grife que, vejam só, se posiciona como “luxo com consciência”. “É bom ressaltar, contudo, que independentemente de quando o dano foi feito, peles vintage continuam sendo roupas feitas a partir da pele de um animal morto e enjaulado desnecessariamente”, afirmou Emma Håkansson, fundadora da Collective Fashion Justice.
Ou seja, os defensores dos direitos dos animais não aceitam o argumento vintage. “É um símbolo contínuo da supremacia humana sobre outros animais, e não deveríamos aceitar isso no século 21, quando temos inúmeras outras opções sem exploração animal, matança de animais selvagens ou criação industrial.”
Uma ótima alternativa
Entre as alternativas de nova geração para peles feitas de combustíveis fósseis e peles de animais reais está a Savian, uma pele 100% vegetal feita de urtiga, linho e cânhamo originários da Europa e produzida na Itália. Desenvolvido pela empresa de ciência de materiais BioFluff, a Savian foi lançada na forma de um casaco longo de Stella McCartney durante a COP28 em novembro de 2023, e mais tarde, usada em 2024 pela marca de moda dinamarquesa Ganni para criar uma coleção de bolsas para a Copenhagen Fashion Week.
“Estamos trabalhando com várias marcas de moda nos mercados de luxo, contemporâneo e acessível para desenvolver materiais adequados às suas necessidades”, afirmou o cofundador da BioFluff, Roni Gamzon, acrescentando que o custo continua sendo um desafio para aumentar a adoção de materiais de nova geração. “Muitas marcas construíram uma dependência de materiais sintéticos de baixo custo fabricados em massa no Extremo Oriente, tornando impossível competir puramente em preço.”
BioFluff faz parte da La Maison des Startups, um programa do conglomerado de luxo LVMH para ajudar a acelerar a implementação de novas soluções dentro de seu portfólio de marcas, que inclui Louis Vuitton, Christian Dior, Fendi e Céline. Por outro lado, a LVMH também ajuda a financiar a The International Fur Federation, pagando 300.000 euros pela associação à Furmark, um sistema global de certificação e rastreabilidade de peles reais.
Não justifica
O argumento de que a pele sintética tem um impacto ambiental maior do que a pele real é questionado por um estudo científico de 2013, que comparou o impacto de casacos de pele de vison natural com o de casacos de pele falsa, e descobriu que a produção de pele de vison natural teve o maior impacto climático. Quando este estudo é considerado juntamente com dois outros fatos — aproximadamente 100 milhões de animais são mortos por suas peles e mais de 100 bilhões de itens de vestuário são produzidos globalmente a cada ano (com 65% acabando em aterros sanitários em 12 meses) — a produção de novas roupas de pele é justificada?
“Para muitas culturas, peles de animais são parte de uma herança cultural usada para vestimentas cerimoniais e cotidianas”, diz Natascha Radclyffe-Thomas. Mas relembrando sua época de estudante nos Estados Unidos, quando aprendeu técnicas de costura com um peleiro, ela pensa que não justifica. “Essas aulas me fizeram perceber a realidade do número de animais mortos para roupas, e praticamente consolidaram minha visão pessoal: nunca pensei em comprar pele de verdade.”