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Sacrifícios da moda: vale a pena tanto aperto para chamar a atenção?

Não é de hoje que as mulheres sofrem para entrar em modelos antinaturais e incômodos para parecerem mais bonitas e elegantes

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 jul 2025, 14h34 - Publicado em 6 jul 2025, 08h00

É medieval, embora tenha surgido no século XVI. Inicialmente usado para modelar o corpo feminino, afinando a cintura e elevando o busto, usado por baixo das roupas principais, o espartilho logo virou camisa de força. No século XIX, mais rígido e apertado, era modo de alcançar a chamada “cintura de vespa”. Antes de ser abandonado, por representar um horror misógino, deu uma última pirueta ao emoldurar a Scarlett O’Hara de Vivien Leigh em …E O Vento Levou, de 1939, puxada e repuxada com violência calculada pela cuidadosa Mammy (Hattie McDaniel) até perder o fôlego e anunciar: “Quero estar linda”.

PLATAFORMA - Anos 1970: quem ficou em pé?
PLATAFORMA - Anos 1970: quem ficou em pé? (./Reprodução)

Peça tão incômoda deveria sair de cena, definitivamente, a não ser para eventuais usos provocativos, aqui e ali, quem sabe na tela do cinema — mas não é que anda dando as caras? Explodiu, recentemente, nas redes sociais (e onde mais seria?) a revelação da faz-tudo Kim Kardashian, que no Met Gala de 2024 sofreu um bocado ao afinar a cinta a bordo de um modelo de John Galliano para a Maison Margiela. “Nunca senti tanta dor, era como se não conseguisse respirar”, lembrou. Recentemente, em um baile promovido pela amfAR, entidade de apoio à pesquisa contra a aids, Marina Ruy Barbosa exibiu o ombro esquerdo roxo. A explicação: o esforço monumental e cruel para entrar e segurar um vestido de Olivier Rousteing, da Balmain, que pesava mais de 15 quilos.

Vale a pena? A depender do ponto de vista, sim. “Se ficou bonito, por que não?”, indagou Kardashian. Zendaya não escondeu de ninguém ter vestido um Thierry Mugler que a transformou em espantalho, sem conseguir se mexer, na pré-estreia de Duna — Parte 2, em troca de uns bons trocados, avaliados em 13,3 milhões de dólares em exposição midiática para a grife francesa. A trajetória da civilização (civilização?) mostra que esse tipo de problema não é exatamente novo. A imobilidade já foi postura para evidenciar a diferença entre a nobreza e o povo. Homens usavam gibões e casacos estruturados para estufar o peito, mas o peso do sofrimento sempre recaiu sobre as mulheres. Como bem definiu a historiadora de moda Valerie Steele, os corpetes e vestidos estruturados eram “o símbolo perfeito da repressão feminina encarnada na própria carne”. Nos anos 1920, Coco Chanel propôs silhuetas mais soltas e tecidos leves, o que não impediu o mal-estar dos saltos plataforma nos bizarros anos 1970, e um outro topo de escravidão: o culto à imagem, à juventude eterna, ao corpo impecável, hoje sustentado por dietas absurdas, cintas modeladoras (olha aí elas de volta), Botox e preenchimentos.

“VESPA” - Espartilhos: símbolos de repressão em corpo feminino
“VESPA” - Espartilhos: símbolos de repressão em corpo feminino (./Divulgação)
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A retomada da cintura fina é um manifesto ao avesso do bom senso da atualidade — ainda que ditas celebridades e outras quase insistam em alegar algum direito de fazerem o que bem quiserem. É verdade, mas convém um pouco de atenção. O aperto em nome de alguma formosura, digamos assim, está na contramão. Alimenta o machismo, que deveria ser página virada. “Desde pequenas, meninas aprendem que para serem bonitas têm de sofrer”, diz a consultora de moda Manu Carvalho. Não é mais assim, felizmente, e para estar linda ninguém precisa se espremer como Scarlett O’Hara, porque o vento levou o desrespeito.

HEMATOMA - Marina Ruy Barbosa em Cannes: vestido de 15 quilos deixou a atriz brasileira com o ombro roxo
HEMATOMA - Marina Ruy Barbosa em Cannes: vestido de 15 quilos deixou a atriz brasileira com o ombro roxo (Rocco Spaziani/Mondadori Portfolio/Getty Images)

Revisitar a história da moda feminina deveria servir como alerta, não como inspiração para a repetição de práticas nocivas. A questão, a rigor, transcende o universo das capas de revistas e passarelas, vai muito além da efemeridade da internet. Trata-se de tentar entender como a sociedade contemporânea constrói e perpetua ideais de feminilidade. Cada vestido impossível, cada sapato que impede a caminhada, cada procedimento que promete juventude eterna refletem escolhas coletivas sobre o valor e o lugar da mulher no mundo. Em uma era que se pretende emancipada, a persistência desses rituais de sofrimento estético sugere que a verdadeira revolução ainda está por vir, há muita estrada pela frente, e ela não pressupõe dor. Não se trata de abolir o prazer estético, a beleza pela beleza, mas de questionar a chegada a um ponto inaceitável, para além do qual os prazeres se transformam em prisões que limitam a experiência feminina ao território do flagelo celebrado. Ninguém merece.

Publicado em VEJA de 4 de julho de 2025, edição nº 2951

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