Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Projetos incentivam produção de móveis feitos de árvores caídas na Amazônia

Eles vão na contramão da vergonhosa estatística das queimadas

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 set 2024, 08h00

A estatística arde como chama: em agosto, o Brasil registrou 68 635 focos de queimadas, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foi o maior número para o mês desde 2010 e o quinto pior da série histórica, iniciada em 1998. Em relação a 2023, que registrou 28 056 pontos de fogo nesta época do ano, o aumento foi de 144%. É triste e constrangedor. Levando-se em conta os dados dos oito primeiros meses de 2024, a quantidade de labaredas é a maior em catorze anos. A inglória liderança é da Amazônia, com mais de 63 000 episódios pirotécnicos. Nessa imensidão trágica e vergonhosa, porém, emerge um caminho de esperança: o crescimento de iniciativas que, na contramão da negligência e do crime, tratam o bioma com respeito e ensaiam levá-lo, de alguma forma, para dentro dos lares brasileiros.

É o caso do recém-inaugurado Ateliê da Floresta, projeto da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, cujo plano é transformar resíduos de madeira de árvores caídas em peças de decoração e móveis, criando oportunidades de negócios, sem desmatar, como era desejo do seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988. “É um sonho realizado, a prova de ser possível gerar renda para as famílias e manter a floresta de pé”, disse a VEJA o líder extrativista Raimundo Mendes de Barros, primo de Chico. Dali, saem mesas, cadeiras e utensílios de cozinha feitos por membros de dezoito famílias e que já chamam a atenção de galerias de Manaus e São Paulo pelo design genuinamente rústico e pela durabilidade, características requisitadas pelos humores dos dias de hoje. “Além da conservação ambiental, projetos com essa estrutura contribuem para um futuro mais sustentável na Amazônia”, diz Neluce Soares, bióloga e coordenadora do Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), programa do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).

RESPEITO - Ateliê da Floresta, em Xapuri (AC): reaproveitamento de resíduos
RESPEITO - Ateliê da Floresta, em Xapuri (AC): reaproveitamento de resíduos (@atelie_da_floresta_acre/Instagram)

Iniciativas semelhantes brotam com velocidade, ao iluminar a saudável tendência. A Movelaria Comunitária Sustentável, da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Igapó-Açú, por exemplo, envolve jovens na lida com madeira manejada. A consciência ambiental e o apreço por móveis reciclados também pautam trabalhos de profissionais renomados como Letícia Granero, que levou o conceito ao seu espaço na edição deste ano da CASACOR, em São Paulo, e Zanini de Zanine e Leo Lattavo, que, com a BVRio, criaram a Design & Madeira Sustentável para compartilhar conhecimentos e técnicas de desenho com movelarias comunitárias na Amazônia.

Vale ressaltar que, além de promover o desenvolvimento econômico, trata-se de combater o desmatamento e o uso de mão de obra escrava decorrentes da extração ilegal de madeira, ao apartar atravessadores. É caminho que ganha o mundo, no casamento da estética com o respeito. Basta ver o cipoal de objetos ecológicos destacados na Semana de Design de Milão por meio de grifes como a italiana Arper e a espanhola Patricia Urquiola.

Continua após a publicidade
ELEGÂNCIA AMBIENTAL - A clássica namoradeira de Zanine Caldas: peça talhada de madeira bruta
ELEGÂNCIA AMBIENTAL – A clássica namoradeira de Zanine Caldas: peça talhada de madeira bruta (Andre Nazareth/Editora Olhares/Divulgação)

A estética que brota de grupos amazônicos, no avesso da contravenção ambiental, remete ao belo trabalho do arquiteto José Zanine Caldas (1919-2001), cujas obras uniam a forma e a função como manifesto. No fim dos anos 1960, a partir de Nova Viçosa, na Bahia, ele criou um mobiliário imaginado da lida com troncos tombados e torrados, matéria-­prima abandonada e desrespeitada, a que chamou de Móveis Denúncia. Correram o mundo, foram parar em museus com o MoMA, de Nova York, como a namoradeira talhada em uma única peça bruta, e ajudaram a renovar o olhar para um pedaço do planeta que exige atenção. As recentes iniciativas, alimentadas e geridas por comunidades locais, recuperam o estandarte — servem a um só tempo de alerta e sinônimo de elegância, ao oferecer o conforto de permanente mãos dadas com o zelo ambiental.

Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.