Presença feminina em posições de liderança nas empresas ainda é pequena
Em cada 100 profissionais nos conselhos, uma das posições mais relevantes nas estruturas das grandes companhias, somente catorze são do sexo feminino
No Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, o Brasil foi tomado por campanhas e mensagens de empresas enaltecendo a participação feminina no mercado de trabalho. As homenagens destacaram trajetórias de sucesso, ressaltaram a importância de políticas afirmativas e apontaram para os avanços obtidos nos últimos anos em diversos setores econômicos. No mundo das aparências que costuma pautar as datas comemorativas, o discurso foi altivo e inspirador. Na vida real, porém, o que se vê é uma história menos edificante. De acordo com um levantamento do Programa Diversidade em Conselho (PDeC), louvável projeto que é fruto de parceria entre o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), B3, International Finance Corporation (IFC), Spencer Stuart e Women Corporate Directors (WCD) Foundation, as executivas representam apenas 14% das vagas nos conselhos de administração de empresas listadas na bolsa brasileira. Repita-se: em cada 100 profissionais nos conselhos, uma das posições mais relevantes nas estruturas das grandes companhias, somente catorze são do sexo feminino. Nos cargos de diretoria, as mulheres respondem por 25% do total. Há uma década o índice era de 20%. Ou seja: elas estão subindo degraus em passos de tartaruga. É inaceitável.
O que explica o atraso da ascensão feminina nos quadros das empresas? Para começar, há a relutância dos homens em compartilhar espaços dominados por eles desde sempre. Preconceitos enraizados são difíceis de quebrar, mas é preciso apontar que existe uma razão ainda mais direta e objetiva: os executivos, mesmo que jamais admitam, não querem perder a primazia da liderança e poder. “Conselhos de administração são ambientes muito masculinos e seus participantes tendem a mantê-los assim”, afirma Adriana Muratore, coordenadora do Programa Diversidade em Conselho. A melhor forma de romper a deplorável tradição é a pressão da sociedade — ainda que falha e por vezes tímida, ela tem ganhado intensidade de uns tempos para cá.
Há raras e honrosas exceções de executivas no comando. Mas elas revelam evidente incômodo em ambientes predominantemente masculinos. “Quantas reuniões das quais participei em que eu era a única mulher presente, tanto dentro da empresa quanto fora, atendendo clientes”, diz, com um ponta de indignação, Ana Karina Bortoni, CEO do Banco BMG. Bortoni é um exemplo notável de liderança. Atuou durante anos na área acadêmica, no ramo da química, antes de participar de um processo seletivo da McKinsey. Entrou e foi subindo posições até se tornar sócia em 2010. Deixou a consultoria após quase dezenove anos para assumir a presidência do conselho do BMG, em 2019. No ano seguinte, foi nomeada CEO e se tornou a primeira mulher a ocupar a posição em um banco brasileiro com capital aberto na bolsa. Ela diz que há, sim, uma preocupação genuína das empresas em mudar o quadro corporativo, mas isso leva tempo. “Não é algo que aconteça de uma hora para a outra, estamos numa jornada”, diz Bortoni. No BMG, o conselho é formado por cinco homens e quatro mulheres. “Não estou mais sozinha”, comemora a CEO.
A jornada, de fato, começou, mas o caminho será árduo. Na maioria dos lares, são os representantes do sexo feminino que assumem a maior parte das responsabilidades relacionadas aos filhos e às tarefas domésticas. Dados do IBGE apontaram que, em 2019, a mulher brasileira dedicou, em média, 18,5 horas semanais a afazeres da casa, quase o dobro do tempo gasto pelos homens (10,3 horas). Na pandemia, o cenário se agravou. Segundo o Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), quase metade (48%) das 5 000 mulheres pesquisadas disse que a carga de trabalho aumentou durante a crise do coronavírus. Em home office, elas foram obrigadas a fazer tudo ao mesmo tempo — cuidar de filhos, participar de reuniões, administrar a rotina da casa. Enquanto isso, os homens fizeram o mesmo de sempre, sem derramar uma gota de suor a mais.
Os obstáculos para a maior inserção feminina são reflexo do papel secundário a que as mulheres foram submetidas ao longo da história. Parece inacreditável, mas direitos antigos para os homens foram conquistados muito depois por elas. É o caso do voto feminino, que acaba de completar noventa anos. O direito ao divórcio só veio em 1977. Antes de 1979, acredite se quiser, elas não podiam nem jogar futebol — os times femininos só foram autorizados a disputar campeonatos a partir daquele ano. Nem é preciso ir tão longe assim: a importunação em transportes públicos só passou a ser considerada crime em 2018.
É por isso que a redução do fosso corporativo entre homens e mulheres passa também pela transformação por completo das estruturas que regem a sociedade. As organizações profissionais são, afinal, fruto das culturas nas quais estão inseridas. Em um recente ranking de diversidade nos conselhos elaborado pela consultoria Deloitte, os países mais inclusivos são aquelas em que as conquistas sociais femininas vêm de longa data, como França, Noruega e Bélgica. Na lanterna da lista estão nações como Catar, Arábia Saudita e Kuwait, onde persistem severas restrições às mulheres em todas as esferas — na política, na cultura, na religião e, claro, no mercado de trabalho.
Eliminar barreiras para que mulheres cheguem ao topo traz benefícios imediatos para as corporações. Diversos estudos já provaram que a diversidade produz melhores resultados financeiros. Uma dessas pesquisas, realizada pela consultoria LHH, mostrou que a igualdade entre homens e mulheres nas empresas aumenta o lucro em até 21%. As marcas também se tornam mais admiradas e, portanto, têm melhores chances de conquistar o público. “Para garantir a longevidade das empresas, é urgente acelerar a agenda de inclusão”, afirma Adriana Muratore. “Esse senso de urgência é menos explícito porque a falta de diversidade não arruína os negócios imediatamente. Consequentemente, é menos visível.”
A boa notícia é que a inclusão deverá ganhar velocidade nos próximos anos, quando os millennials e os representantes da geração Z dominarem o ambiente corporativo. Hoje em dia as duas vertentes respondem por um terço do total do mercado de trabalho, mas chegarão a 60% nos próximos dez anos. O público mais jovem é aberto a esse tipo de discussão e, mais do que isso, tende a ser intolerante com preconceitos. “As novas gerações defendem uma sociedade mais igualitária, e isso inclui diversidade racial, de gênero, ações para a população LGBTQIA+ e para pessoas com deficiência”, afirma Venus Kennedy, sócia da Deloitte Brasil e que fará parte do conselho da consultoria a partir de junho. Americana que mora no país há sete anos, ela elogia o trabalho que vem sendo realizado por aqui. “Eu vejo o Brasil como líder no conceito de diversidade”, diz. “Viajei muito, conheci várias culturas e em muitos países não há nem mesmo conversas sobre esse tema. Os brasileiros deveriam ter orgulho.” Os especialistas dizem que falar sobre diversidade de gênero — ou sobre qualquer tipo de diversidade — é importante, pois coloca luz sobre a questão. Deixá-la escondida nas sombras de escritórios não faz nenhum sentido. A hora das mulheres é agora, em qualquer lugar — inclusive nos cargos mais altos das empresas.
Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780