Por que o conceito de meia-idade está em crise
Construção social do século XIX, ele vem perdendo terreno para a necessidade de as pessoas se manterem ativas e saudáveis
Personagens como Julie d’Aiglemont, a protagonista de A Mulher de 30 Anos, de Honoré de Balzac, do século XIX, e o Gatão de Meia Idade, criado pelo cartunista Miguel Paiva nos anos 1980, são produtos de seu tempo e, em breve, devem se tornar marcas históricas de um período que não volta mais. A meia-idade como a conhecíamos está em crise, e não importa o gênero. Tome-se como exemplo o Carnaval deste ano, que voltou com força redobrada, levando para as ruas a beleza de mulheres como Paolla Oliveira, 40 anos, e Alessandra Negrini, 52. A atriz Mika Lins, 57 anos, tem feito barulho com uma galeria de mulheres sem filtro no Instagram e uma máxima: “Envelheço e não quero ser ageless”. Mostrar a idade é o que vale.
No exterior, estrelas como a cantora Jennifer Lopez, 53, a modelo Naomi Campbell, 52, e o ator Hugh Jackman, 54 anos, confirmam que a idade não é mais limite para nada, nem na aparência e tampouco nas atividades do cotidiano. A cultura pop, que reverbera pelas redes sociais em velocidade cada vez maior, sem freios, também ajuda a entender o que está acontecendo. As personagens de And Just Like That…, versão renovada de Sex and the City, tinham em média 55 anos quando a série foi ao ar no ano passado — Sarah Jessica Parker, por exemplo, tem 57 anos.
A noção de meia-idade, diga-se, é uma invenção razoavelmente moderna. Começou em meados do século XIX, quando as rendas familiares aumentaram e as mulheres passaram a ter menos filhos. Os problemas cotidianos foram substituídos por crises existenciais que se tornaram sinônimo dessa fase da vida. Hoje em dia, os dilemas são outros. Alexandre Kalache, médico e presidente do Centro Internacional de Longevidade, diz que os marcos cronológicos são uma obsessão inútil. “Envelhecer reflete a forma como se conseguiu viver e as escolhas que se fez”, diz. “A longevidade é uma conquista e precisamos rever as ideias que temos sobre essa fase da vida.”
Homens também não estão imunes a essa tentação. O caso do empresário americano Bryan Johnson, 45 anos, que torra mundos e fundos com sua obsessão pela juventude, toca no bizarro. Ele gasta o equivalente a 10 milhões de reais por ano para se manter com a aparência de 18. Para isso, tem uma rotina severa de exercícios, dieta vegana e uma equipe de trinta médicos que o acompanham na louca empreitada.
Apesar de o envelhecimento ser comum a todas as pessoas, não significa que será igual para todos. O passar do tempo também está sujeito a fatores individuais, sociais e econômicos. Veja-se o caso de Bruce Willis, um ícone do cinema de ação, lembrado principalmente pela série de filmes Duro de Matar e pela série A Gata e o Rato. Aos 67 anos, a carreira de Willis foi interrompida por um diagnóstico de demência frontotemporal, doença hereditária e degenerativa de áreas importantes do cérebro.
A economia prateada, a soma de tudo o que é consumido pelas pessoas com mais de 50 anos, movimenta no mundo 15 trilhões de dólares anuais, equivalente ao PIB da China, o que demonstra o potencial econômico do grupo. É mais fácil encontrar um consumidor “sênior” na academia do que na cadeira de balanço. No Brasil, eles são responsáveis pela maior fatia de renda da família. Embora envelhecer esteja longe de ser um processo pacífico, sem medo ou resistência, é possível que as pessoas atravessem a passagem para a maturidade, hoje, com vastos desejos futuros. Madonna, sempre ela, rebateu ferozmente críticas por sua aparência na entrega dos prêmios Grammy, em fevereiro. A famosa “crise da meia-idade” pode estar, ela mesma, em crise.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831