Pesquisa exclusiva: nove em 10 mães sofrem ‘burnout parental’ no Brasil
Termo que geralmente se refere a esgotamento no trabalho tem efeitos similares no ambiente doméstico, mostra levantamento inédito
Muito se falou sobre a sobrecarga que famílias por todo o globo sentiram durante a pandemia. O trabalho passou a ser em casa, bem como a escola dos filhos, o que junto com os afazeres domésticos virou uma bola de neve difícil de se desvencilhar. Passados quatro anos desde o início do surto da Covid-19, porém, a sobrecarga não diminuiu. “A crise do coronavírus trouxe à mesa o debate sobre o equilíbrio entre vida e trabalho. Pensávamos que esse assunto perderia relevância com o tempo, mas o que aconteceu foi o oposto”, afirmou a VEJA Mariana Espíndola, fundadora da edtech Kiddle Pass.
Na matemática desse equilíbrio, ou da falta dele, o senso comum é que quem sofre mais são as mães, devido à jornada dupla que envolve o trabalho formal e os cuidados com os filhos e o lar. Pela primeira vez, porém, uma pesquisa contabilizou o tamanho desse problema no Brasil. De acordo com levantamento obtido com exclusividade por VEJA, nove em cada 10 mães sofre com “burnout parental”, termo geralmente empregado para tratar de esgotamento no trabalho mas que tem efeitos semelhantes em casa.
“São situações semelhantes que ocorrem em ambientes distintos”, disse Dani Junco, CEO da B2Mamy, uma socialtech que conecta mães inseridas no mercado de trabalho, a VEJA. Segundo ela, o burnout em ambos casos envolve despersonalização, ou uma sensação persistente ou recorrente de desligamento do próprio corpo ou mente, e incapacidade de realização de uma tarefa.
A pesquisa
O levantamento da Kiddle Pass em parceria com a B2Mamy entrevistou 1.868 mulheres por meio de um formulário online entre 22 de abril e 23 de julho. Idealizado por Mariana Pereira, psicóloga especialista em felicidade no trabalho, se baseou na escala de burnout da Universidade Federal de Minas Gerais, que gera uma pontuação na qual é possível classificar sinais de esgotamento mental em quatro fases, com base em um questionário sobre a frequência de determinados sentimentos (como depressão, ansiedade, capacidade de relacionamento com os filhos, queda de cabelo, energia baixa, entre outros).
A pontuação média de esgotamento para mães brasileiras foi de 20,82, considerado alto. Além disso, a pesquisa chegou às seguintes conclusões:
- 9,37% das brasileiras expressaram sinais de esgotamento grave;
- 44,2% tinham sinais de esgotamento moderado;
- 33,99% apresentaram sinais de esgotamento leve;
- apenas 9,42% tinham poucos ou nenhum sinal de esgotamento.
O esgotamento é maior entre mães mais novas, já que mulheres até 40 anos tiveram uma pontuação mais alta do que a média na escala (entre 21 e 23). A situação também varia de acordo com a etnia e grau de ensino: indígenas, pardas e negras também pontuaram acima da média, bem como aquelas que não completaram o Ensino Médio, as que tem apenas o Ensino Médio completo, e as que tem graduação universitária incompleta. As que relatam os graus mais altos de burnout são as mães atípicas, com filhos que apresentam desde TEA e TDAH até deficiência auditiva e intelectual.
“Independentemente da raça, etnia ou situação socioeconômica, porém, descobrimos que se todas as mães pudessem investir 50% a mais do tempo livre na relação com os filhos, suas taxas de burnout caem até 22%”, explicou Mariana Pereira, fundadora da empresa de recursos humanos Techrx em entrevista a VEJA. Ou seja, para combater o esgotamento maternal, tempo e apoio são os principais remédios.
Apoio em casa e no trabalho
Se debruçando sobre essa questão, a pesquisa também perguntou às mães sobre suas redes de apoio e ambientes profissionais. Um terço das entrevistadas relatou poder contar com uma rede de apoio familiar ou de amigos, enquanto outro terço afirmou ter acesso a ajuda remunerada (como babás) e 15% disseram usar ambas. Mais de 20% delas, porém, afirmou não ter nenhuma das duas, um grupo que também pontuou acima da média (21,64) na escala do burnout. Tendência semelhante ocorre em famílias monoparentais, geralmente compostas de mães solo: essas pontuaram 23,21, quase três acima da média.
Outro campo onde seria importante obter apoio é no trabalho, justamente para alcançar o equilíbrio almejado. A pesquisa chegou à conclusão, porém, que os auxílios existentes hoje não são suficientes para suprir essa necessidade. As entrevistadas relataram ter acesso a alguns tipos, como auxílio-creche ou creche no escritório, licença maternidade estendida, plano de saúde compulsório para os filhos, home office na primeira infância e palestras/rodas de conversa sobre maternidade. A pontuação do grupo que possui benefícios empresariais, porém, é apenas 0,2 menor (ou seja, com pouquíssimos menos sinais de burnout) do que a do outro grupo.
“As empresas não sabem cuidar das mulheres, porque nunca precisaram. Esses tipos de auxílio precisam ser personalizados de acordo com a idade da criança e o momento de vida das mães”, defende Mariana Espíndola.
Ainda é um desafio hercúleo ser mãe e trabalhar: seis em cada 10 respondentes da pesquisa reportaram já terem sido questionadas sobre maternidade e em processos seletivos e promoções, três em 10 se sentem inseguras de falar da vida parental na empresa, e 64% relataram impactos na carreira após a chegada dos filhos. Mas Espíndola alerta: “Conforme mais mulheres entram no mercado de trabalho, isso não vai mais ser questão só de equidade, mas de sustentabilidade para os negócios.”
Um curioso achado do levantamento foi que, desses benefícios, o que traz melhores resultados são as rodas de conversa e palestras sobre maternidade. Segundo Dani Junco, nada de novo aí. Esses ambientes servem para conectar mulheres que passam ora por situações semelhantes, ora por situações distintas, e criam com esse laço uma comunidade capaz de reduzir a sobrecarga. “É clichê dizer que juntas somos mais fortes, mas é verdade”, diz. E vital enquanto não há avanços suficientes nos âmbitos social e empresarial.