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“Não era aceito por ser indígena”, diz modelo Noah Alef

Descendente da tribo pataxó, ele superou preconceitos e hoje desfila no exterior

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h32 - Publicado em 25 fev 2023, 08h00

Nasci em uma família descendente da tribo indígena pataxó, na cidade de Jequié, no interior da Bahia. Distante da aldeia da qual se originou meu povo, localizada no extremo sul baiano, meus pais, uma costureira e um motorista, me criaram até se separarem, quando eu tinha apenas 8 anos. Eu e minha mãe, então, fomos morar com meus avós maternos, e sempre batalhamos para sobreviver. Durante a adolescência, fiz bicos capinando mato de vizinhos para ganhar alguns trocados. Depois, fui trabalhar de empacotador em uma fábrica de tecidos e também como ajudante de pintor. Devido a meus traços, eu não conseguia me considerar bonito. Cheguei a sofrer bullying na escola, mas, aos 16, me interessei por moda quando inventaram um concurso de modelos na minha cidade. Decidi tentar, mais por curiosidade, e acabei desfilando no centro de Jequié. Bateu um nervosismo tão grande, mas me encantei instantaneamente. Jamais imaginei que aquela faísca me levaria a desfilar para grandes marcas no exterior, podendo exaltar a beleza indígena.

Após aquele primeiro contato com a passarela, decidi apostar com entusiasmo no sonho de ser modelo profissional. Concluí o ensino médio e tomei a decisão de me mudar da Bahia para São Paulo, onde acreditava que teria mais oportunidades de trabalho. Fiz até mesmo rifas para juntar dinheiro e me iludia acreditando que chegaria à capital paulista e viraria modelo rapidamente, conquistando muito dinheiro e glamour — um grande equívoco. Descobri que tudo era muito mais caro em uma metrópole do que no interior da Bahia e minhas economias duraram três meses. Morei em repúblicas de aspirantes a modelos, dormindo em quartos minúsculos e até em uma garagem. Entrei em uma agência pequena, e durante os testes para ensaios fotográficos fui muito desprezado por recrutadores. Me diziam que eu não era aceito por ter essa aparência indígena. Eu sempre gostei do meu corte de cabelo no estilo “tigela”, mas essa característica não agradava os clientes, segundo a agência. Com a falta de trabalhos como modelo, acabei aceitando pequenos bicos, como barman em eventos, panfletando na rua e até como promotor de degustação de salgadinhos em mercados. Essa instabilidade me fez passar muita fome. Após dez meses enfrentando tanta dificuldade, veio a pandemia de Covid-19, em 2020, e aí desisti de vez. Voltei para a Bahia.

No isolamento, como a maior parte da população mundial, comecei a gravar vídeos e publicar no TikTok e Instagram. Um olheiro baiano acabou encontrando minhas páginas e entrou em contato, muito interessado pelo meu perfil. Fiquei bastante desconfiado, porque as experiências que tive em São Paulo haviam sido péssimas, mas ele prometeu me apresentar a uma agência de modelo séria. Mal acreditei quando me aprovaram para integrar o catálogo. Naquele momento, entendi que todos os meus sonhos poderiam se realizar. Passei a fazer editoriais e desfilei na São Paulo Fashion Week pela primeira vez em 2021. No ano passado, fui o modelo que mais subiu à passarela do evento, participando de quinze desfiles. Em janeiro deste ano, estreei na Semana de Moda da Itália, onde representei a Emporio Armani, além de estrelar alguns ensaios para outras marcas e revistas internacionais. Como a agência Way Model tem parceria com outras no exterior, estou fazendo testes ao redor do mundo. Já passei por França, Austrália, Alemanha, Estados Unidos e Espanha. Uma coisa que gosto de fazer é posar e desfilar com adereços indígenas, para valorizar os traços que já foram alvo de tanto preconceito. Hoje, consigo ajudar minha família financeiramente e também enxergar minha própria beleza.

Noah Alef em depoimento dado a Kelly Miyashiro

Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830

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