Meninas sofrem impacto das redes na saúde mental antes dos meninos
Pesquisas revelam que usar as plataformas pode prejudicar as meninas mais cedo e de forma mais intensa do que ocorre com os meninos
Antes de a pandemia de Covid-19 atacar o planeta, as redes sociais já haviam se estabelecido como uma revolução tecnológica que influencia a maneira como nos expressamos e nos comunicamos. Os efeitos desses novos canais digitais, no entanto, não estavam tão claros como agora, quando as pesquisas científicas sobre o tema avançaram exponencialmente e o seu uso foi ainda mais intensificado em razão das quarentenas. Levantamento recente, realizado por cientistas do Reino Unidos e da Holanda, investigou como a utilização dessas plataformas pode afetar o bem-estar e o desenvolvimento de meninos e meninas. Os resultados mostram que a saúde mental das garotas acaba sendo afetada mais cedo e mais intensamente do que a dos garotos. O que leva a indagações fundamentais: como educar as crianças e adolescentes em torno dos aplicativos, como controlar o tempo de exposição e convencê-los de que a vida fora da tela é muito melhor?
Os pesquisadores das universidades de Cambridge e Oxford, na Inglaterra, e Radboud, na Holanda, analisaram duas grandes bases de dados do Reino Unido que, somadas, compreendem 84 011 indivíduos, de 10 a 80 anos. O exame das respostas que relacionam o uso de redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter à satisfação com o cotidiano em um recorte de 17 400 jovens de 10 a 21 anos mostrou maior impacto negativo nos adolescentes mais novos. Meninas com idades entre 11 e 13 anos se declararam desgostosas um ano depois de começarem a utilizar as plataformas, enquanto os meninos tiveram a mesma sensação um pouquinho mais tarde, entre 14 e 15 anos. De acordo com os cientistas, isso pode estar ligado a mudanças no desenvolvimento da estrutura cerebral ou à ocorrência da puberdade, que surge mais tarde na vida dos garotos.
Outro período problemático está em torno dos 19 anos, quando o uso intenso das redes, independentemente do gênero, é acompanhado de uma queda na satisfação com o dia a dia. Nessa idade, dizem os pesquisadores, é possível que mudanças sociais — como sair de casa ou começar a trabalhar — os tornem mais vulneráveis. Em outras faixas, o efeito dessa mudança não é tão significativo. Com essas descobertas, afirmam os cientistas, em vez de debater se a ligação existe ou não, agora é possível prestar atenção nos períodos da adolescência em que se sabe haver maior risco. “A importância de educar as pessoas sobre as complexidades do uso das mídias sociais e a saúde mental dos adolescentes é fundamental”, diz Amy Orben, da Universidade de Cambridge, que liderou o estudo. “Além disso, essas respostas podem variar muito de indivíduo para indivíduo.”
Convém, portanto, aos pais e educadores terem cuidado e zelo permanentes. De acordo com um estudo do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br (NIC.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), adolescentes de 9 a 17 anos entram em contato com conteúdos sensíveis na rede, dentre eles formas de ficar muito magro, e tipos de discriminação, com destaque para os relacionados à aparência física — especialmente as meninas. Dada a avalanche de acessos, o problema não deve ser negligenciado. Estima-se que 72% dos brasileiros usem redes sociais e por meio delas sejam afetados por digital influencers e personagens absolutamente irresponsáveis. A TIC Domicílios 2020, pesquisa realizada pelo NIC.Br, mostra que as plataformas preferidas dos jovens são o Instagram (35%) e o TikTok (27%). Não por acaso, são as ferramentas que mais trabalham com fotografias e vídeos (em geral, apelativos, sem conhecimento e muito bobos).
Em tempos de fake news, de versões absurdas da realidade, o escrutínio sobre as redes sociais tem aumentado. Em consequência, projetos como o delirante Instagram for Kids, destinado ao público infantil, ainda bem, foram encerrados. Mas há solução, para além de atenção, correção de excessos e muita conversa? “Não adianta restringir o acesso”, disse a VEJA Luisa Adib, coordenadora da pesquisa do NIC.br. “É fundamental que os pais estejam presentes e ajudem os filhos.” É compulsório também a repetição de estudos. Não se trata de rechaçar a tecnologia. Ao contrário, ela é um pilar da civilização moderna — mas o novo mundo exige um olhar desconfiado. A autoestima é relevante demais para ser desconstruída eletronicamente.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789
Correção: Em uma versão anterior desta reportagem, o trecho que falava da pesquisa da NIC.br foi ajustado para melhor reproduzir os resultados da pesquisa.