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Melhores escolhas são feitas por quem toma tempo para refletir, diz estudo

Pesquisas vão na contramão do que sugerem os tempos atuais, em que sabichões têm opinião sobre tudo e falam antes de pensar

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 11h02 - Publicado em 20 jan 2023, 06h00

Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates questionava os cidadãos sobre suas verdades inabaláveis com perguntas provocadoras, destinadas a pôr em xeque o conhecimento deles e levá-los a tomar consciência da própria limitação e ignorância até em assuntos que julgavam dominar. A estratégia de usar o diálogo e a contradição para gerar reflexão ficou conhecida como maiêutica e foi uma das primeiras manifestações do método dialético, um dos pilares do pensamento filosófico. Passados dois milênios, o saudável hábito de ponderar, cogitar e questionar parece ter saído de moda — na era da informação, viraram pecados capitais admitir desconhecimento de algum tema, mudar de opinião e demorar a se posicionar diante de alguma polêmica, situação em que o indivíduo é criticado por ficar em cima do muro e não ter personalidade. Na contramão dessa tendência, tão disseminada hoje em dia, embebida em fake news, estudos recentes vêm confirmar que Sócrates estava certo: quanto menos assertiva e imediatista a pessoa for, maior será a sua capacidade de tomar as decisões certas.

A mais contundente dessas pesquisas, realizada na Alemanha e publicada na revista Science Direct, investigou a fundo o comportamento das pessoas mais hesitantes, em comparação àquelas que sempre têm uma resposta na ponta da língua. A conclusão foi que o primeiro grupo em geral é mais imparcial em seus julgamentos, tem maior flexibilidade de ideias e faz escolhas melhores. “Dar uma pausa para avaliar toda a complexidade de uma situação torna o ser humano propenso a ações menos impulsivas e mais eficazes”, disse a VEJA a psicóloga Jana-Maria Hohnsbehn, da Universidade da Colônia, autora do trabalho.

PONDERAR É PRECISO - A professora Mariana Cruz, 48, costuma se arrepender quando emite alguma opinião “no calor do momento”. “Controlo meu instinto de falar logo o que penso porque sei que posso estar sendo irracional”, diz. -
PONDERAR É PRECISO – A professora Mariana Cruz, 48, costuma se arrepender quando emite alguma opinião “no calor do momento”. “Controlo meu instinto de falar logo o que penso porque sei que posso estar sendo irracional”, diz. – (./Arquivo pessoal)

Pode parecer óbvio, mas em tempos de redes sociais, trendings e cancelamento, quem realmente reserva tempo para refletir sobre cada questão que é posta na mesa? O caminho mais fácil para não ficar de fora das discussões do momento é se posicionar de acordo com crenças enraizadas em cada um, seja sobre política, seja em torno de economia ou relacionamentos amorosos. Refesteladas nesse ciclo de pensamento confortável — e preguiçoso —, as pessoas defendem opiniões muitas vezes rasas com fervor e convicção, fechando-se aos questionamentos. Aí, contestam os especialistas, mora a deterioração do ato de refletir e duvidar, indispensáveis ao avanço do conhecimento.

A inclinação a tomar como verdade incontestável os argumentos e informações que se encaixam nos valores pessoais é chamada de viés de confirmação, um mecanismo cerebral que ajuda a consolidar o que já se supunha correto em determinada circunstância, ignorando involuntariamente evidências de falhas no pensamento inicial. “Isso afeta nossa avaliação da realidade e nos leva a conclusões ilógicas, mas que estão de acordo com nossos pré-julgamentos”, diz o psiquiatra Rodrigo Martins Leite. “É uma ferramenta natural da mente, que busca segurança e previsibilidade.” Do ponto de vista neurobiológico, funciona como um sistema de recompensa. Neurotransmissores associados à felicidade são liberados quando temos a sensação de dizer para o outro: “Está vendo como tenho razão”. Com medo de cair nessa armadilha do pensamento, a professora carioca Mariana Cruz, 48 anos, pensa duas, três, até quatro vezes antes de marcar um posicionamento. “Tanto em relacionamentos pessoais como na internet, evito ao máximo me manifestar no impulso. Prefiro olhar o cenário por diversos ângulos para não me precipitar e cair no erro”, relata a ponderada Mariana.

Já no comportamento oposto, a crença exacerbada nas verdades pessoais tende a sufocar o senso crítico e conduzir às posturas extremistas observadas nos últimos tempos, tanto no Brasil quanto no exterior. “Os grupos sociais em que as pessoas se inserem contribuem ativamente para reforçar o viés de confirmação”, afirma Roniel Sampaio, sociólogo e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí. “Se alguém não tem opinião formada sobre algum assunto, vai se inspirar nos semelhantes e seguir a manada para não ficar para trás. É uma transição do ‘penso, logo existo’ para o ‘opino, logo existo’.” É assim que crescem e se disseminam movimentos terraplanistas, antivacinas, antidemocráticos e conspiracionistas em geral. A polarização política insuflada pelos círculos de convívio intensifica nas pessoas a ilusão de que as informações disponíveis corroboram suas teses, um fenômeno explorado pelas redes sociais. “A radicalização é rentável para as plataformas porque prende a atenção do usuário por mais tempo”, observa Bruno Feigelson, especialista em tecnologia e inovação. “Quando o algoritmo percebe de que lado alguém parece estar, passa a disponibilizar cada vez mais conteúdo alinhado com suas ideias, criando uma bolha em que a pessoa tem a sensação de estar sempre certa e raramente é confrontada.”

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A VOZ DO SILÊNCIO - O piloto de avião Yuri Gitirana, 26, analisa com cautela situações que exigem posicionamento. Leva tempo, mas compensa. “Embora às vezes seja criticado, sinto que silenciar ajuda a tomar decisões melhores”, justifica. -
A VOZ DO SILÊNCIO – O piloto de avião Yuri Gitirana, 26, analisa com cautela situações que exigem posicionamento. Leva tempo, mas compensa. “Embora às vezes seja criticado, sinto que silenciar ajuda a tomar decisões melhores”, justifica. – (./Arquivo pessoal)

Mesmo com o bombardeio de informações no mundo virtual, a engenheira Yasmin Melo, 29 anos, resiste à tentação de opinar imediatamente sobre todo e qualquer assunto em alta. “Não consigo acompanhar e me aprofundar em todas as áreas. Por isso, acho mais prudente estudar e escutar quem entende antes de dizer o que penso. Vejo vários amigos que defendem cegamente partidos políticos, mas mal sabem explicar seus projetos, por exemplo”, diz Yasmin, que se sente pressionada a sempre se posicionar.

Em uma sociedade resistente ao pensamento reflexivo, em que sabichões se acham espertos, pode ser desafiador dar uma pausa e repensar tudo, até o que se apresenta como irrefutável. “Os grandes pensadores ensinaram que viver bem é um exercício constante de vigilância da própria racionalidade”, diz o professor de filosofia Francisco Razzo. Quem pondera e medita à moda antiga, como o piloto de avião Yuri Gitirana, 26 anos, não se arrepende. “Meu tempo de refletir é sagrado. Tenho o costume de ficar em silêncio em meio a tensões, para poder pensar com calma e tomar a melhor decisão”, resume. Dar uns passos para trás e resgatar as saudáveis dúvidas do passado pode ajudar a sedimentar o caminho para a sabedoria (ou pelo menos fazer com que a pessoa não invada e deprede um prédio público).

PARE E PENSE
O que grandes nomes da filosofia falaram sobre o exercício da reflexão

Sócrates
Sócrates – (Universal History Archive/Getty Images)

“Uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida.”
Sócrates
(470 a.C.-399 a.C.)

Aristóteles
Aristóteles – (Bettmann/Getty Images)

“O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete.”
Aristóteles
(384 a.C.-322 a.C.)

Francis Bacon
Francis Bacon – (Stock Montage/Getty Images)

“Quem não quer pensar é um fanático; quem não pode pensar é um cretino; quem não ousa pensar é um covarde.”
Francis Bacon
(1561-1626)

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Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825

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