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Masculinidade no divã: as questões existenciais enfrentadas pelos homens, segundo pesquisa

A alta na demanda por ajuda em consultórios é confirmada a VEJA por nomes respeitados da psicologia

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 ago 2025, 15h46 - Publicado em 15 ago 2025, 06h00

Força física, domínio das emoções, chefia do lar. Tudo isso e mais um pouco era esperado da fatia masculina da humanidade, que se encaixou ao longo da história em um figurino muito bem estabelecido. Não que o modelo tenha sido de todo desfeito e que desdobramentos dele, como o machismo, não sigam como incômodo resquício de um passado a ser vencido. Mas os ventos da modernidade andam chacoalhando antigos pilares e produzindo avanços colhidos no rastro da repaginação do papel das mulheres. Sob o impulso do movimento feminista, elas conquistam espaço desde os anos 1960 e ganham uma voz que até há bem pouco tempo era só deles. Essa sacudida em noções tão arraigadas, um salto inequívoco do ponto de vista da vida em sociedade, traz para eles um desafio nada trivial — especialmente para a turma mais jovem, que adentra a idade adulta sem se identificar com o estereótipo tradicional, mas ainda à caça de respostas existenciais sobre o exercício da masculinidade.

arte ficha masculinidade

Após vasta investigação, um recém-publicado estudo do National Research Group, um instituto americano de pesquisas, deu contornos às incertezas que atormentam os representantes masculinos da espécie, começando da estaca zero. Ao ser instados a definir o que é, afinal, ser homem nos dias de hoje, 43% da amostra de até 30 anos não souberam dizer. A atual busca por uma identidade não se dá de forma leve, mas é permeada de pressão — 53% afirmam ainda sentir na pele a expectativa de se enquadrarem em velhos padrões masculinos. A boa notícia é que o assunto passa a vir à luz, com o registro de homens cada vez mais à procura de autoconhecimento nos divãs e em grupos em que debatem seu papel, novidade no Brasil. É um cenário a ser celebrado, sem dúvida, embora embuta uma reflexão fornecida pela mesma pesquisa: 48% dos pais admitem não conseguir entabular uma boa conversa com os filhos sobre a masculinidade moderna, sinal de que ainda falta chão. “No passado, existiam regras que regiam os homens. Agora há outras formas de existir”, diz o sociólogo Tulio Custódio.

A alta na demanda por ajuda em consultórios é confirmada a VEJA por nomes respeitados da psicologia, que testemunham uma escalada na clientela de jovens homens. Antes fechados em silêncio, boa parte ainda chega hesitante, porém disposta a confrontar suas dores. “Eles vêm angustiados, desorientados. Mesmo aqueles que demonstram virilidade, correspondendo a ideias que resistem, estão sofrendo”, afirma o analista Edgley Duarte de Lima, autor do livro Homens, Masculinidade e Psicanálise. Ele detecta um receio deles em dar visibilidade às dúvidas e ser tachados de “fracos”. Vários se veem pisando em ovos ao abordar uma mulher, perdidos que estão em relação aos novos (e mais evoluídos) códigos. “O fato de estarem se questionando sobre tudo isso é certamente muito positivo”, enfatiza o psicanalista. Uma turma relata sentir preconceito quando declara recorrer ao divã. “A terapia vem sendo fundamental para aprender a comunicar meus sentimentos, o que somos desestimulados a fazer. Cresci ouvindo que não é coisa de homem”, diz o estudante de cinema Hugo Oliveira, 25 anos.

CAIU A FICHA - O psicólogo Guilherme Braga, 31 anos, passou a fazer terapia para conseguir externar as emoções.
CAIU A FICHA – O psicólogo Guilherme Braga, 31 anos, passou a fazer terapia para conseguir externar as emoções. “Descobri que não preciso ser uma rocha”, diz. (//Arquivo pessoal)
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Em um movimento mais recente, grupos de conversa e apoio masculinos têm despontado no cenário — algo que se iniciou nos Estados Unidos e agora se espalha em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Nesses espaços, eles tratam sem travas de suas experiências e inseguranças. Focam mais nas delicadas camadas da grande questão existencial que os mobiliza do que no papo sobre conquistas amorosas ou desempenho sexual. À frente de uma dessas iniciativas, o paulista Fabio Mazoli, 45 anos, que se apresenta como palestrante sobre a “masculinidade saudável”, promove reuniões virtuais toda semana, além de encontros presenciais. São tantos os tópicos em comum à mesa que às vezes é difícil colocar um ponto-final. “Na realidade, os homens estão fragilizados e não admitem isso”, diz ele, que trabalha também com adolescentes. “Eles perguntam se são obrigados a jogar futebol e se podem se despir de suas máscaras”, conta. Ao frequentar uma dessas rodas (curiosamente batizada de “Memoh”, homem escrito ao contrário), o psicólogo Guilherme Braga, 31 anos, percebeu que foi mudando a forma de pensar. “Passei a refletir sobre tudo o que ser homem significa e a identificar minhas próprias atitudes machistas”, reconhece.

DESABAFO - Grupo de apoio: momento para trazer à luz as dúvidas e angústias modernas
DESABAFO - Grupo de apoio: momento para trazer à luz as dúvidas e angústias modernas (Sarah Mason/Getty Images)

Tirar o assunto dos escaninhos dos temas impronunciáveis, segundo especialistas, é a trilha mais exitosa para evitar um caldeirão de sentimentos que mescla raiva, frustração e isolamento. Mas, como em todo fenômeno que mexe com pilares erguidos ao longo do tempo, este também registra suas idas e vindas, dando frequentes mostras de que um pensamento antigo teima em não sair de cena. “Mesmo que estejam perdendo força, ideias sedimentadas em uma educação mais retrógrada, como a que vemos em diversos lares mundo afora, continuam vivas. Precisamos romper de uma vez por todas com as certezas do passado”, ressalta a psicóloga Natália Brandão, especializada no atendimento de homens.

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MUDANÇA DE OLHAR - O estudante de comunicação Abner Rey, 24 anos, se esforça para não reproduzir o modelo que viu em casa. “Não admiro os homens da minha família”, afirma.
MUDANÇA DE OLHAR – O estudante de comunicação Abner Rey, 24 anos, se esforça para não reproduzir o modelo que viu em casa. “Não admiro os homens da minha família”, afirma. (//Arquivo pessoal)

É neste contexto que ascendem nas redes ridículos grupos que empunham bandeiras cheias de bolor sobre a masculinidade e, não raro, culpam as mulheres do peso que agora recai sobre eles. Um dos expoentes da chamada manosfera é o movimento Red Pill, marcado pela misoginia e saudoso do tradicional papel do homem provedor que se sobrepunha à mulher submissa. “Há muita confusão e ressentimento nessa reação ao novo”, pontua o sociólogo Tulio Custódio. Mesmo com obstáculos pelo caminho, porém, o avanço encabeçado pelas jovens gerações é fenômeno incontornável. “Não quero reproduzir comportamentos do meu pai e do meu avô. Escolhi ser o oposto do que vi em casa”, diz o estudante de comunicação carioca Abner Rey, 24 anos.

AVANÇO - A luta feminina nos anos 1960: a marcha delas força a ala masculina a se reinventar
AVANÇO - A luta feminina nos anos 1960: a marcha delas força a ala masculina a se reinventar (Bev Grant/Getty Images)
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Nos anos de 1940, Simone de Beauvoir, a existencialista francesa que ajudou a dar feições ao feminismo, já alertava para os perigosos desdobramentos da visão vigente à época, e ainda hoje abraçada por uma parcela aferrada ao passado, sobre a masculinidade. “Ninguém é mais arrogante, mais agressivo ou desdenhoso em relação às mulheres do que o homem que duvida de sua virilidade”, dizia ela. Que bom — tanto para eles como para elas — que o assunto esteja agora saindo das sombras para deixar o rol dos tabus.

Com reportagem de Paula Freitas

Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957

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