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Laços entre irmãos são decisivos em todas as etapas da vida, apontam novas pesquisas

Embora permeados de conflitos, eles moldam a maneira como as pessoas encaram a própria existência

Por Paula Freitas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 jun 2025, 16h12 - Publicado em 20 jun 2025, 06h00

Ao fincar os pilares da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939) observou a infância sob uma lupa muito direta e sem filtros, algo que aos olhos das sociedades atuais pode até soar demasiado severo. “As crianças são completamente egoístas, sentem suas necessidades intensamente e lutam de maneira impiedosa para satisfazê-las, especialmente contra os rivais e, acima de qualquer outra coisa, contra seus irmãos e irmãs”, escreveu, lançando ao centro de sua investigação os elos fraternos, não raro decisivos para definir o modo de encarar o mundo e a própria existência. Evidentemente que a influência dos pais ajuda a entender as trilhas percorridas individualmente, visão à qual Freud deu contornos que até hoje balizam a compreensão sobre o desenvolvimento humano. Mas, ao se debruçar sobre a teia familiar, a ciência avançou justamente no campo do convívio entre irmãos que, segundo um conjunto de novas pesquisas, pode ser tão relevante na formação de personalidade, caráter e valores quanto o dia a dia ao lado da mãe ou do pai. E o impacto desse laço tão estreito, mesmo quando as afinidades não são tantas assim, se faz sentir em todas as etapas da vida.

O assunto deixou recentemente as rodas especializadas com o recém-publicado The Family Dynamic: A Journey into the Mystery of Sibling Success (algo como “A dinâmica da família: uma jornada pelo mistério dos sucesso de irmãos”), best-seller em que a americana Susan Dominus mergulha fundo nos caminhos pelos quais os irmãos moldam uns aos outros. A aclamada jornalista avaliou estudos e acompanhou ela própria seis famílias onde os filhos obtiveram sucesso em áreas diversas, impulsionados pelos laços fraternais. Sob um mesmo teto, por exemplo, havia três jovens no ápice criativo — um romancista premiado, um atleta olímpico e um próspero empreendedor. Em uma segunda casa, a autora encontrou uma leva de destaque de juristas e defensores dos direitos civis. Os pais, conta Susan, tinham ocupações completamente distintas. Ela logo entendeu que, nesses arranjos, um fator em comum se sobressaía: ainda que se detectasse uma competitividade entre irmãos, a elevada régua do primogênito puxava o caçula, enquanto o mais novo estimulava um senso de responsabilidade no mais velho, em um ciclo virtuoso em que todos saíam ganhando.

QUARTETO FANTÁSTICO - Ajudando uns aos outros, os irmãos Kim cravaram o feito de passar para medicina em faculdades públicas. Primeiro foi Carolina, 30 anos (a segunda da esq. para a dir.), seguida dos gêmeos Gabriela (à dir.) e Matheus, 26, e de Esther, 24. “Aprendemos com os erros e acertos dela”, diz Gabriela.
QUARTETO FANTÁSTICO – Ajudando uns aos outros, os irmãos Kim cravaram o feito de passar para medicina em faculdades públicas. Primeiro foi Carolina, 30 anos (a segunda da esq. para a dir.), seguida dos gêmeos Gabriela (à dir.) e Matheus, 26, e de Esther, 24. “Aprendemos com os erros e acertos dela”, diz Gabriela. (./Arquivo pessoal)

Um ponto de partida para a vasta apuração foi o estudo do caso das três irmãs Brontë, um poderoso trio feminino da literatura inglesa do século XIX — O Morro dos Ventos Uivantes é de Emily, A Inquilina de Wildfell Hall, de Anne, e Jane Eyre, de Charlotte. “A primogênita Charlotte foi a força motriz do sucesso profissional de suas irmãs, uma caçadora de talentos acidental que soube agarrar as oportunidades e transmitir conhecimento”, lembra Susan. Uma pesquisa conduzida pela socióloga Emma Zang, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, avançou no tema ao analisar os benefícios da existência dos laços fraternos e em quais circunstâncias se mostram mais relevantes. Filha única, ela resolveu dar verniz científico a algo que há tempos a intrigava: quem tem irmão seria, em sua visão, mais apto a interações sociais e estimulado intelectualmente.

Ao imergir em um banco de dados de milhares de estudantes, ela se ateve também ao componente etário e averiguou o peso dos primogênitos sobre os demais. Sobretudo quando a idade não é muito distante, diz a socióloga, os mais jovens passam a compartilhar interesses e redes de amigos com os mais velhos, elevando o grau de sociabilidade e aprendendo com a experiência dos que abrem caminho. Os que vieram ao mundo antes, por sua vez, exercitam a capacidade de ensinar e liderar, habilidades tão valiosas nos dias de hoje.

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ISSO QUE É DUPLA - Venus e Serena Williams: juntas, conquistaram catorze troféus no Grand Slam e viraram lenda do tênis
ISSO QUE É DUPLA - Venus e Serena Williams: juntas, conquistaram catorze troféus no Grand Slam e viraram lenda do tênis (Clive Brunskill/ALLSPORT/Getty Images)

Um conjunto de estudos, inclusive o de Yale, trata do tópico sob o ângulo das faixas de renda. “O benefício da convivência entre irmãos é verificado em todos os estratos sociais, mas são ainda maiores entre famílias de rendas mais baixas. Investir no primogênito é também investir nos filhos que chegaram depois”, enfatiza Emma, de Yale. Irmãos e irmãs famosas ajudam a trazer o assunto aos holofotes e a desvendar como o troca-troca em casa pode ser profícuo, embora envolto em ambiguidades. As irmãs Williams, fenômeno do tênis, são caso exemplar de vínculo firme e decisivo. “Quando pequena, eu não era boa no esporte”, relata Serena, 43 anos, dizendo que percebia uma tristeza por ter tido menos oportunidades na largada que Venus, 45. Aí se mexeu para compensar a lacuna. “Isso me fez trabalhar mais duro, virei uma lutadora feroz, seguindo Venus nos campeonatos”, fala ela, que coleciona número recorde de títulos de Grand Slam e por catorze vezes venceu em dupla com a irmã. A mais velha acabou lhe sendo didática ao desbravar a rota para o pódio, permeada de erros e acertos.

A turma que tem a dupla experiência, aquela composta pelo filho do meio, reforça a ideia de que a influência entre irmãos pode se fazer enriquecedora em diferentes direções. “Eu tive certo privilégio porque pude observar a minha irmã mais velha na trajetória escolar e profissional, assim como desenvolvi uma responsabilidade que não tinha e passei a desejar ser exemplo para os mais novos”, afirma o engenheiro Daniel Sofia, 40 anos, o segundo de quatro filhos, lembrando que a passagem do tempo só consolidou a dinâmica. “Recorremos muito uns aos outros para tomar decisões”, diz. Na idade adulta, o elo tende a se fortalecer, já que questões básicas saem de cena. “As disputas mais primitivas por território vão cedendo espaço a uma conversa de maior qualidade, em que um pode se apoiar no outro”, ressaltou a VEJA a psicóloga americana Jeanie Cox, da Universidade do Sul da Califórnia.

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CADA UMA DE UM JEITO - A estudante de nutrição Giselle Salaman (à dir.), 23 anos, diz que o segredo da amizade com a irmã, a arquiteta Gabrielle, 28 anos, está no respeito mútuo às diferenças das duas. “Devo muito da minha maturidade a ela”, reconhece Giselle.
CADA UMA DE UM JEITO – A estudante de nutrição Giselle Salaman (à dir.), 23 anos, diz que o segredo da amizade com a irmã, a arquiteta Gabrielle, 28 anos, está no respeito mútuo às diferenças das duas. “Devo muito da minha maturidade a ela”, reconhece Giselle. (./Arquivo pessoal)

Como essa é uma relação que, no nascedouro, já contém um duelo por território (mais um ingrediente, aliás, vital para formar o caráter dos indivíduos), os pais têm o papel de funcionar como árbitros, em eterno perrengue, zelando pela harmonia e freando a competitividade, às vezes exacerbada. “Em níveis saudáveis, a briga por espaço é até positiva, mas, se for incentivada pelos pais, periga fazer os irmãos se afastarem”, alerta Jeanie Cox. O sentido saudável da competição fraterna está em um reconhecer os feitos do outro e se ver por eles desafiado. Assim aconteceu com os irmãos Carolina, Gabriela, Matheus e Esther, todos de sobrenome Kim. O quarteto conseguiu passar para o concorrido curso de medicina em faculdades públicas de São Paulo. Primeiro, foi Carolina, 30 anos, que ingressou na Unifesp. “Quando ela conseguiu, nós também fomos atrás”, diz Gabriela, 26. “Eu, Matheus e Esther éramos do mesmo cursinho, estudávamos juntos, dando suporte um ao outro em nossos pontos fortes e fracos”, acrescenta. Imigrantes coreanos, os pais forneceram um ambiente favorável aos estudos, o que também esclarece o sucesso acadêmico dos quatro irmãos.

INSPIRAÇÃO LITERÁRIA - Irmãs Brontë: uma bebeu do talento da outra
INSPIRAÇÃO LITERÁRIA - Irmãs Brontë: uma bebeu do talento da outra (Edwin Landseer/.)
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Um ponto fundamental para o equilíbrio fraterno gira em torno da ideia de preservar as individualidades de cada um — e também aí a participação dos progenitores é fundamental. No afã de colocar a prole no que enxergam como o bom caminho, pai e mãe podem involuntariamente encaixar todos na mesma fôrma. “O ideal é justo o oposto, que cada qual cultive seu jeito de ser. Do contrário, pode até gerar uma raiva entre irmãos”, observa Marta Souza, da Sociedade Brasileira de Psicologia. Como em qualquer relação, é importante lembrar, só há bons frutos, de longa permanência e eficácia, quando o vínculo é erguido sobre um solo de respeito e amizade, mesmo com as esperadas turbulências. “É claro que admiro meus pais, mas com minha irmã é diferente. Minhas dúvidas de adolescência, meus perrengues, tudo era com ela, que me transmitia confiança como ninguém”, reconhece a estudante de nutrição Giselle Salaman, 23 anos, que deve à ajuda da arquiteta Gabrielle, de 28, parte de sua maturidade emocional. E quem não tem irmão, como faz? De novo, é a ciência que esclarece: vale, e muito, buscar nos amigos os laços fraternos com tudo de bom que eles embutem. Os benefícios são para toda a vida.

Publicado em VEJA de 20 de junho de 2025, edição nº 2949

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