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Já passou da hora de falar sobre maternidade real

A VEJA, mulheres falam abertamente sobre a experiência — e a exaustão — de criar filhos

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 27 set 2024, 11h56 - Publicado em 27 set 2024, 11h49

Tornar-se mãe em nada se parece com aquela ideia antiquada e romantizada da mulher que se sente plenamente feliz e completa. Na realidade, a maternidade traz desafios que foram varridos para baixo do tapete por séculos a fio em nome de um machismo que impõe que ter filhos é uma função natural (e quase obrigatória) da mulher na sociedade. O processo de criar e educar crianças faz com que elas sintam à flor da pele um turbilhão de emoções que inclui raiva, tristeza e muito estresse. Pesquisa recente das plataformas Kiddle Pass e B2Mamy descobriu que 9 em cada 10 mães já sofreu com o chamado “burnout materno”, uma combinação de sintomas físicos e psicológicos que envolve insônia, perda de apetite e memória, irritabilidade e um cansaço sem fim. VEJA entrevistou quatro mães que se identificam com o drama. Leia seus depoimentos:

Anna Letícia Ciprinno, 27, professora de biologia – mãe de Marvin, de 6 anos

“Fiquei cerca de dois anos com o pai do Marvin depois que ele nasceu. Nessa época, morava com a família dele e tinha uma ajuda mínima. Mas o pai não trabalhava, só eu, e ainda tinha que chegar em casa e cuidar do bebê. Depois ele mudou de estado e vê o filho umas duas vezes por ano.

Todo o cuidado, como saúde e escola, ficou comigo. Depois da pandemia, tudo piorou. Dava aula em duas escolas e ainda tinha que dar conta do meu filho. Durante um tempo, precisei levá-lo  comigo para o trabalho quase todos os dias. Minha semana toda é em função das atividades do Marvin. Ele é autista e precisa estar sempre fazendo acompanhamento com algum profissional, além de terapia e natação. Não tenho ajuda de ninguém, só das pessoas que eu contrato, como a babá.

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Tenho crises de ansiedade muito intensas, insônia e ataques de pânico. Minha cabeça nunca para. Quando chego no extremo, não consigo levantar da cama o dia todo. E, quando não estou com meu filho, sinto culpa”.

Anna e Marvin
(Arquivo Pessoal/Reprodução)

Isabelle Martins, 28, cartomante – mãe de Agatha, de 8 meses

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“Acho difícil dizer que existe uma fase em que me senti menos saturada. Todas tiveram um nível de cansaço bem grande. Sou mãe de primeira viagem, então tudo é muito novo pra mim. O começo era mais complicado porque requeria ela literalmente ficar pregada em mim por conta da amamentação. E a amamentação foi uma tortura. Tinha medo de não dar o que precisava e ser uma mãe ruim.

Conforme ela foi crescendo, ganhei mais segurança. Mas também vieram novas dificuldades. Meu esposo foi trabalhar e eu ficava sozinha. Queria que tudo desse certo, nem banho eu dava na Agatha, pedia ajuda. 

Nossa rede de apoio ajuda como pode, mas poucos realmente se fazem presentes. Sinto falta de poder sair e deixar ela com alguém de confiança. Acho que em oito meses de maternidade, só pude tirar um cochilo tranquilo uma vez. Sinto falta de ter as pessoas mais presentes, nem que seja perguntando se está tudo bem ou se gostaríamos de fazer um passeio”.

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Isabelle e Agatha

Emanuelle Louzada, 39, advogada – mãe de Raul, de 3

“Em 2021, meu filho nasceu. Com o retorno da licença maternidade, comecei a me sentir muito insatisfeita de ter que sair de perto do meu filho de cinco meses. Pedi demissão. Mas dois meses depois comecei a sentir perda de memória, cansaço. Veio junto uma tristeza. Era muito difícil lidar com o estresse. 

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Comecei a pesquisar o que estava acontecendo comigo, vi que outras mulheres também passavam por isso. Busquei ajuda. Fui fazer terapia em grupo para mulheres. Buscava contextos que me dessem ferramentas para superar esse processo. Comecei a ficar mais insegura, ter medo de ficar longe do meu filho, tive crise de identidade. Tive que olhar pra minha saúde mental. Hoje vejo que isso foi fundamental para atravessar essas crises. 

Tive que aprender a pedir ajuda. Isso foi o ponto crucial. Sempre fui muito independente, mas vi que precisava pedir ajuda. Vi que eu não sabia delegar funções importantes e ficava sobrecarregada. Até pelo contexto social que a mulher vive, achava que a pessoa mais apta e competente para cuidar do Raul. É uma falsa ideia de onipotência materna que me sobrecarregou.

Vi que estava negligenciando minha vida social. Entendi que meu filho tem um pai super presente e tenho uma rede de apoio real. Aprendi que não preciso pedir ajuda pro pai do Raul, posso simplesmente me ausentar e contar com ele. Não aceitava que precisava de ajuda. A sociedade cobra perfeição desumana da mulher. Entendi que meu filho não é 100% responsabilidade minha”.

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Emanuelle e Raul

Juliana Silveira, 24, estudante de nutrição – mãe de Sophia, de 5

“O puerpério foi o momento em que me senti mais saturada, principalmente pelo fato de ser algo totalmente novo pra mim. A privação de sono foi o principal motivo, pois a minha filha simplesmente não dormia. Os principais sinais de estresse foram perda de apetite e irritabilidade. Não queria ficar perto dela, chorava muito.

Trato o excesso de cobranças na terapia. Tive uma educação muito pautada na violência, se não obedecesse eu apanhava, o que me gerou muitos traumas. Nunca quis que a minha filha tivesse a mesma criação. Me cobro muito em relação a isso, não querer que ela tenha nenhum tipo de trauma, mas com terapia entendo que isso foge do meu controle. Não dá para guardar ela numa bolha.

Infelizmente, a única rede de apoio que eu tenho é a minha mãe, o que já me deixou triste em vários momentos. Só quem é mãe entende a importância de continuar sua vida para além da maternidade, de se reconhecer como mulher. É muito difícil não ter uma rede de apoio para poder sair sem seu filho, ficar sozinha com seu marido”.

Juliana e Sophia

(Arquivo pessoal/Reprodução)

Leia mais: https://preprod.veja.abril.com.br/comportamento/pesquisa-indica-a-excessiva-ocorrencia-de-fadiga-entre-mulheres-que-sao-maes

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