Impressão botânica: Pétalas, folhas e sementes agora enfeitam tecidos
Os resultados são estampas estilosas de mãos dadas com os cuidados ambientais
O cientista e químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794) usou a célebre frase “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, em 1777, para provar o princípio da conservação de massas. Em tempos atuais, o conceito poderia ser aplicado à impressão botânica — ou Eco Print —, uma técnica de estamparia sustentável que usa o calor e o contato para transferir diferentes pigmentos e formas de plantas para tecidos. O método se baseia na busca e coleta de folhas, flores, sementes, cascas, ervas e raízes para criar padronagens orgânicas e de alta duração. “É como se fosse um carimbo da planta”, diz Adriana Fontana. Ao lado da filha, Maria, ela comanda As Tintureiras, marca especializada em impressão manual botânica e tingimento natural.
Diferentemente da tintura natural, técnica que colore o tecido inteiro com a tinta extraída de pigmentos de plantas, como o vermelho do pau-brasil ou o amarelo da camomila, a estamparia botânica imprime os próprios vegetais, e suas formas específicas, em pontos da peça a ser decorada. É um processo relativamente novo, criado pela artista visual India Flint, da Austrália, a partir de experiências com folhas de eucalipto. Por ser absolutamente artesanal, exigindo uma delicada expertise na sua execução, a Eco Print tornou-se, na moda, sinônimo de exclusividade associada a uma imposição dos novos tempos: o interesse por produtos naturais. Eles são atalho para a reconexão dos consumidores com a natureza, ao evocar as memórias afetivas que flores e folhas são capazes de despertar, sem danos ao ambiente.
Há um quê de etéreo nessa constatação, mas a atual geração de jovens, sobretudo ela, só consome com zelo e cuidado. Por essa razão, os tecidos com estampas da natureza começam a aparecer entre os preferidos por noivas, interessadas em colocar nos vestidos toques de leveza e de lembranças por meio da impressão de pétalas ou folhagens associadas a momentos felizes. “Geralmente, elas querem algum componente botânico que remeta a uma memória de ternura”, diz a estilista Camila Machado. A empresária desenvolveu uma forma de produção completamente sustentável e dentro dos princípios do upcycling — reutilização de insumos em outros produtos — na manufatura de suas roupas casuais e sapatos, além dos vestidos de noiva. As peças vão de 1 900 a 19 000 reais, caso do traje de casamento.
Fora do Brasil, a moda se espalha pelas mãos de artesãs como a israelense Irit Dulman ou a italiana Alessandra Micolucci, cujas coleções são cobiçadas. A matéria-prima usada na estamparia botânica é variada. Folhas de laranjeira, café, eucalipto, hibisco, castanheira e sementes de urucum costumam estar entre os escolhidos pelas artesãs. O passo a passo é extenso e cuidadoso, pode levar horas. Os tecidos — linho, seda, renda, cânhamo e algodão orgânico, mas nunca sintético — são tingidos à base de um fixador 100% natural. As peças, depois da manipulação e compressão das plantas selecionadas, são cozidas ou fervidas. Leva tempo, portanto, e requer paciência.
Dá-se o encanto com o lindo efeito da flor, folha ou semente impressas no tecido em forma de desenhos delicados, com texturas e cores deslumbrantes. Sem usar nenhum tipo de corante artificial, é possível extrair tons de vermelho, azul, lilás, rosa, amarelo, verde, cinza, além de outros matizes naturais do próprio vegetal. “É como alquimia”, resume a estilista Adriana, de As Tintureiras. De fato, da mistura de efeitos químicos e sensoriais criam-se jardins floridos onde antes havia apenas tecido. Vale para essa onda primaveril, aceno à vida depois de dois anos de quarentena, repetir uma frase da escritora Clarice Lispector: “Sejamos como a primavera, que renasce cada dia mais bela, exatamente porque nunca são as mesmas flores”.
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783