Geração beta: o que esperar da turma que chega ao planeta em 2025
A nova leva de seres humanos será envolta em inovações tecnológicas e incertezas climáticas, fatores decisivos em suas vidas

Quando a graciosa Ana Elisa nasceu, à 0h45 de 1º de janeiro, sua mãe, Ana Carolina do Nascimento, de 22 anos, não sabia, por óbvio, estar trazendo ao mundo uma das primeiras integrantes no Brasil de uma nova geração, que já ganhou até nome: é a turma beta, estreante no planeta em 2025, e que seguirá engrossando a população mundial até 2039.
Foi depois da Segunda Guerra que os demógrafos começaram a dividir as pessoas segundo fronteiras geracionais que trocam de denominação e características de tempos em tempos. Os pioneiros foram os baby boomers, fruto entre 1940 e 1960 da explosão de natalidade insuflada pela euforia pós-conflito, sucedidos pelos chamados X, um grupo de ímpeto mais libertário que povoou os berçários até 1980, e depois pelos millennials (ou Ys) e pela badalada geração Z, essa que agora dá à luz bebês como Ana Elisa.

A menina e outros recém-chegados à Terra engatinham sobre um terreno que em tudo enfatiza e aprofunda a experiência dos progenitores — imersos que estão no caldo das aceleradas mudanças tecnológicas, puxadas pela inteligência artificial (IA), e frente a frente com desafios inéditos. “Espero que, no meio de turbilhão, minha filha estude e tenha valores muito sólidos”, diz Ana Carolina. Os novos bebês representarão em pouco mais de uma década um contingente de 2 bilhões de humanos (16% dos habitantes do mundo), que conviverão, como nenhum outro grupo demográfico, com gerações diversas. Isso ocorre porque o pelotão de gente de cabeça branca cresce em ritmo acelerado, o que propicia interessantes laços com os estratos que já cruzaram os 60, 70, 80 anos. Neste planeta envelhecido, recairá sobre os novatos o peso de serem mais inovadores e produtivos. A previsão no Brasil é que a população em idade ativa comece a cair em dez anos, enquanto a fatia dos idosos se expandirá rapidamente no próximo meio século. E os representantes beta terão de aprender a navegar no mar de convivências inéditas. “As condições são favoráveis para essa geração trazer soluções para problemas complexos de forma criativa”, disse a VEJA o demógrafo australiano Mark McCrindle, autor do livro Geração Alpha (a criançada que começou a nascer em 2010) e estudioso dos que agora ocupam os berços.
Ainda que seus pais tenham intimidade com as telas eletrônicas, já que ganharam asas às voltas com elas, a geração que hoje desponta não tratará como ferramenta externa, de diversão e trabalho, mas, sim, como uma espécie de extensão do próprio corpo. “Não precisará haver adaptação aos recursos virtuais. A criança já chegará inserida no meio digital, manuseando tudo muito naturalmente”, afirma a pedagoga Danielle Travassos. Ela faz coro com especialistas mundo afora, atentos a um ponto seminal e inescapável, o de controle pedagógico. “Os mais velhos devem cuidar para que o manejo on-line permaneça em campo positivo e saudável”, reforça Danielle. Não se trata de simplesmente chover no molhado, mas de estar atento à maneira pela qual a grande revolução promovida pela IA, já em marcha, moldará a identidade de quem está chegando agora ao mundo, principalmente quanto à forma de se comunicar, aprender, desenvolver novas habilidades e construir vínculos afetivos. Diz-se que o grupo Z é nativo digital. O beta crescerá um passo além, muito além, no universo da IA, de limites ainda inalcançáveis ao olhar.

O cenário traz preocupação para quem logo, logo dará sua contribuição pessoal ao aumento da geração beta. É o caso de Wellington Melo, 29 anos, cheio de reflexões sobre o futuro de Catarina, prevista para vir ao mundo em quatro meses. “Tenho medo de que a IA mine sua sede por conhecimento”, diz o pai de primeira viagem. Quem crescer sob essa moldura precisará de sobejas doses de senso crítico para lidar com o bombardeio de estímulos e conteúdos e para não deixar que as máquinas substituam o pensamento e as funções humanas. “É certo que as pessoas vão usar mais ferramentas digitais para realizar tarefas por elas”, afirma o psicólogo Luiz Nunes, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. “Há um risco de empobrecimento intelectual na geração que surge.” É obstáculo real.
O estreitíssimo elo com a tecnologia já vem modificando o funcionamento do cérebro humano, informam pesquisas recentes. Atrelado a respostas rápidas, imediatas, ele fica saciado e, digamos assim, preguiçoso. “O acesso contínuo à gratificação instantânea pode alterar a produção de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de recompensa”, diz a neurocientista Leninha Wagner. Parece até bom, mas a longo prazo esse mecanismo se desdobra em menor tolerância às inevitáveis frustrações inerentes à existência. Não há dúvida: as habilidades digitais se revelarão mais afiadas do que nunca. O nó: a garotada beta estará talhada para enfrentar as asperezas do cotidiano? “Os estímulos aos quais estarão expostos desde cedo devem moldar suas redes neurais de maneira distinta, impondo novas dificuldades no campo das competências emocionais e do preparo para a interação social”, arremata a neurocientista.

Ao longo de sua trajetória, a turma beta testemunhará o planeta cravar a marca de 10 bilhões de habitantes — crescimento significativo em relação aos atuais 8,2 bilhões — lá pelos anos 2080, quando já forem cinquentões. A maior parte dos nascimentos deve se dar em países da África e nos rincões menos desenvolvidos da Ásia, já que o estilo de vida contemporâneo, observado sobretudo nas grandes metrópoles ocidentais, tem feito as taxas de natalidade despencar. Em compensação, o contingente populacional da porção subsaariana do continente africano deve dobrar de tamanho nos próximos 25 anos, aumentando os desafios que essa geração enfrentará por melhores condições de vida. É dado como certo que ela também deve presenciar uma grande mudança de paisagem nas regiões de intenso crescimento populacional. Segundo a ONU, até 2050, 68% dos habitantes do planeta se concentrarão em áreas urbanas, aumentando a pressão por infraestrutura, transporte, saneamento básico e habitação.
Ainda que pareça um problema distante para quem está no Brasil, país que caminha na direção oposta em termos demográficos e deve desacelerar a curva de crescimento até diminuir de tamanho nas próximas duas décadas e meia, é inexorável que a demanda crescente por recursos naturais cause problemas ambientais de reflexos significativos na vida das crianças em todo o mundo. O aumento da temperatura do planeta, responsável por tragédias climáticas que vão de grandes enchentes a períodos prolongados de severa estiagem, tende a afetar mais gravemente quem está no início do desenvolvimento humano. O Unicef calcula que nada menos que 40 milhões de meninas e meninos brasileiros já sofram os efeitos das mudanças climáticas. Como as medidas para mitigar o fenômeno caminham a passos de tartaruga, o problema tende a se agravar a curto prazo. Prestes a dar à luz Ícaro, a publicitária Camila Hirth, 25 anos, fica ansiosa quando se põe diante do noticiário recheado de tragédias e já sabe: “Vai ser mais difícil para ele”, diz.

Ao que tudo indica, porém, essa fatia da população global terá a mente flexível de modo a encontrar saídas para as constantes e vertiginosas transformações observadas também no mercado de trabalho, nas estruturas familiares e relações interpessoais. Definitivamente, os indivíduos beta já surgem em movimento, equipados com molas e amortecedores na cintura para rebolar diante da impermanência da vida. “Eles tendem a ser menos engessados, com a fluidez necessária para mudar de ideia, de emprego, de casa sem se preocupar tanto com estabilidade”, diz o demógrafo José Eustáquio Alves. Embalados pela crescente expectativa de vida, os indivíduos beta serão os primeiros a cruzar a fronteira para o próximo século, em 2101. “O futuro depende de como agirá essa geração”, afirma o australiano Mark McCrindle. Que ela seja capaz de elevar a inteligência humana a funcionar em potência máxima, de maneira ética e produtiva.
Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931