Fantasia em alto-mar: a aposta da Disney no setor de cruzeiros
Gigante do entretenimento inaugura mais um navio e prevê investimento substancial na área, a mais lucrativa e a que mais cresce entre as atividades turísticas

A magia começa já no embarque: um a um, os passageiros são saudados pelo nome e com uma salva de palmas por duas fileiras de funcionários, enquanto Mickey acena e manda beijinhos do alto de uma sacada. Entra-se no Grand Hall, um enorme saguão inspirado em Agrabah, o reino fictício de Aladdin, e tem início uma experiência que mistura encantamento e sofisticação, inspirada nas histórias, nas produções para o cinema e nos brinquedos dos parques da Disney — tudo em alto-mar. Com catorze andares e capacidade para 4 000 hóspedes, o navio Disney Treasure, que fez sua viagem inaugural em 21 de dezembro, vem se juntar a uma frota de cinco embarcações da Disney Cruise Line, que deve quase triplicar até 2031, chegando a treze. Diante dos desafios para emplacar novos sucessos no cinema e tornar o serviço de streaming lucrativo, o gigante do entretenimento tem planos de investir alto nos setores que continuam a ser seu carro-chefe: os parques e, agora, os cruzeiros — estes, uma fatia do conglomerado que vai de vento em popa.
Dados da Cruise Lines International Association (Clia) mostram uma notável recuperação desse mercado, que amargou prejuízos colossais na pandemia. Só em 2023, 31,7 milhões de pessoas embarcaram nesse tipo de experiência, 2 milhões a mais do que em 2019, fazendo das temporadas ao mar a mais próspera atividade turística do momento — cresceram 6% no ano passado, quando o turismo internacional tradicional encolheu 12%. O Brasil, que neste verão receberá nove transatlânticos, contabilizou 740 500 cruzeiristas em 2023, 30% a mais do que antes da pandemia. A explicação está, como em várias outras transformações sociais, no indigesto período de reclusão compulsória a que a humanidade teve que se submeter — finda a clausura, a demanda por lazer disparou, e os cruzeiros estavam lá para oferecer a experiência completa, que mescla transporte, diversão e gastronomia. “É um turismo com grande valor agregado. Atende de grupos multigeracionais a solteiros, em passeios de três noites a um ano”, ressalta Marco Ferraz, presidente da Clia para a América do Sul.

Dos 300 grandes navios de turismo em operação no mundo, 40% deles se concentram no Caribe — justamente o pedaço de mar azul-turquesa onde está debutando o caçula da Disney. “Nossos navios são embaixadores da marca, levando a natureza imersiva dos parques temáticos para novos públicos, em novos lugares”, destacou o CEO da empresa, Bob Iger, no batismo do transatlântico.
No Treasure, que tem a aventura como tema, o público dispõe de dez piscinas, cineminha ao ar livre, cafés e bares temáticos, como o Haunted Mansion Parlor, inspirado na mansão mal-assombrada dos parques, e o Periscope Pub, que se baseia no filme 20 000 Léguas Submarinas, além dos obrigatórios encontros com Mickey ou o Pateta, sempre a postos para uma selfie. Entre os diversos restaurantes, o Worlds of Marvel oferece atividades interativas inspiradas em Vingadores e o mexicano Coco tem o filme Viva: a Vida É uma Festa como referência. “O cruzeiro eleva a experiência dos parques oferecendo uma vivência mais íntima e imersiva”, reforça Cinthia Douglas, diretora de marketing do grupo para a América Latina. O Treasure ainda apresenta três shows, um deles baseado no filme Moana. “A viagem superou todas as expectativas. Fui embora já querendo voltar com primos, tios, avós”, diz a atriz Yanna Lavigne, 35 anos, que curtiu a primeira viagem com a cunhada Mariana, 32, a filha Madalena e a sobrinha Maria, ambas de 7.

A Disney anunciou que investirá 60 bilhões de dólares nos parques temáticos e em cruzeiros na próxima década, mais que o dobro dos últimos dez anos. Do pacote consta, além do aumento da frota, uma ampliação inédita de seus parques. O Magic Kingdom passará pela maior expansão em 54 anos de história, com uma área para vilões e outra inspirada no filme Carros, da Pixar. No oceano, a empresa conta com um novo terminal em Fort Lauderdale e neste ano abriu a sua segunda ilha privativa nas Bahamas, parada exclusiva da sua frota. Além do Caribe, onde o Treasure navega em cruzeiros de sete dias, os transatlânticos da Disney operam na Europa, Alasca, Austrália e, a partir de 2025, em Singapura. O Brasil, por enquanto, não está no radar — o que não impede que Mickey mande beijinhos para um mar de brasileiros em seus cruzeiros.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925