“Eu não me apropriei da Marcha para Jesus”, diz criador de Marcha para Exu
O evento acontecerá na Avenida Paulista e busca chamar a atenção para o racismo religioso e para os preconceitos contra a entidade
No próximo domingo, 13 de agosto, acontecerá a I Marcha para Exu. O evento será no mesmo endereço que comportou a primeira edição da Marcha para Jesus, a Avenida Paulista. A ideia da celebração é combater o racismo religioso que afeta diretamente religiões de matrizes africanas e lançar luz em uma figura central para esses grupos: Exu.
Exu é um dos seres mais celebrados nos ritos de origem africana, embora tenha significados diferentes. Na umbanda, é considerado uma entidade, um espírito que pode ser incorporado pelos médiuns e auxiliar diretamente na evolução espiritual dos consulentes. Enquanto no candomblé é considerado uma divindade, um orixá, que não pode ser diretamente consultado, como na umbanda, mas é conhecedor dos mistérios da vida. Na tradição Iorubá, Exu é visto como o senhor dos caminhos, por isso recebe as primeiras oferendas. Em muitas tradições religiosas, a entidade representa as ruas, as festas, a bebida e a sexualidade, o que pode ter contribuído para associações equivocadas entre Exu e o Diabo.
A Marcha surgiu exatamente com o propósito de combater esse tipo de concepção. O evento, porém, vem irritando grupos evangélicos, tradicionalmente avessos à figura de Exu. Em sites destinados a esse público é possível acompanhar comentários críticos à caminhada e denúncias contra o organizador, o influenciador umbandista Jonathan Pires, que chegou a ser apontado como um apoiador do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. Pires conversou com VEJA sobre a marcha e a recepção entre diferentes públicos.
De onde surgiu a ideia da Marcha para Exu?
Eu sou um influenciador ligado a umbanda. A maior página religiosa desse segmento no mundo é a minha. Chama-se Maria Padilha, e tem 1,1 milhão de seguidores no Facebook. Eu sempre estive voltado para ações sociais e sempre briguei e lutei muito contra a intolerância religiosa. Nas religiões de matriz africana há a defesa da tolerância. Eu, por exemplo, nunca ouvi um pai ou mãe de santo discriminar uma igreja evangélica, católica, um templo budista ou qualquer outra religião, o que nem sempre acontece com a gente. Vi que minha religião estava sendo perseguida, terreiros estão sendo quebrados, pichados, imagens são destruídas, e eu pensei em uma maneira de balançar um pouco esse mundo e mostrar que a religião não é isso que as pessoas acham.
O nome Marcha para Exu é uma provocação à Marcha para Jesus?
Não, eu jamais faria algo para gerar conflito. Acontece que os orixás ligados a minha religião, como Ogum, Oxalá, Obatalá, Xangô, Iansã… todos esses não costumam ser massacrados como é Exu. Infelizmente, muitas pessoas enxergam Exu como o demônio, o capeta, o diabo. Exu não é isso. A intenção da Marcha é defender o nome de Exu e quebrar o preconceito. Porque muitas pessoas usam o nome de Exu para queimar nossa religião. Eu não me apropriei da ideia da Marcha para Jesus. Da mesma forma que eles registraram esse nome, nós podemos registrar também. Na verdade, qualquer um poderia criar esse nome “Marcha para alguma outra divindade”, “Marcha para alguma religião”, qualquer coisa assim. Eu quis colocar o nome “Marcha para Exu” porque senti no coração que esse nome ia fazer um barulho no mundo e as pessoas conseguiriam nos enxergar de outra maneira. Por que a igreja pode fazer uma Marcha para Jesus sem ser confrontada por nenhuma outra religião e eu não poderia fazer uma Marcha para Exu?
Você não acha que outras divindades com mais abrangência, como Iemanjá, por exemplo, poderiam causar menos polêmica e ser mais efetivas em romper com os estigmas contra religiões de matriz africana?
Os maiores estigmas infelizmente são associados a Exu. As pessoas não sabem quem realmente é Exu. Existe Exu orixá e existe Exu catiço, que são as entidades, os seres desencarnados, que vem na linha de Exu. Muitas pessoas associam essas figuras ao mal, ao diabo, a algo ruim. E não é isso que eu quero mostrar. Tanto que na Marcha, nós decidimos proibir algumas coisas, porque eu sou rigoroso com isso. Eu não quero queimar o nome da minha religião, eu quero elevar o nome da minha religião. Não só da umbanda e do candomblé, mas de todas as religiões de matriz africana.
A que você atribui essa perseguição tão intensa à figura de Exu?
Eu não posso generalizar todos os pastores de igreja, mas infelizmente uma boa parte acaba atacando o nome de Exu. Tem muitos vídeos de pessoas supostamente incorporando dentro de igrejas e falando que é Tranca-Rua, Exu Caveira, Maria Padilha e que veio prejudicar a vida de uma pessoa. Me perdoe, mas eu acho isso um teatro, porque as entidades estão aqui para nos ajudar. Eles abrem nossos caminhos, nos trazem saúde, nos trazem proteção. Infelizmente essa é a realidade. Eu nunca ouvi esse tipo de associação com outras entidades. As pessoas e as igrejas batem muito em cima da linha de Exu, porque Exu é o diabo para eles. E eu tenho certeza que no dia 13 a gente vai poder mostrar o outro lado de Exu para as pessoas.
Qual legado vocês pretendem deixar com a Marcha?
A primeira coisa que posso garantir é que quem for não vai ouvir o nome do diabo, do capeta ou do satanás. Esses nomes não existem dentro dos nossos terreiros. Outra coisa é que além de levantar essa bandeira da luta contra o preconceito e a intolerância religiosa, nós vamos arrecadar alimentos e vamos doar para aldeias, institutos e, por incrível que pareça, igrejas evangélicas, cujos pastores já conversaram comigo para receber esses alimentos também.
Como você tem percebido a recepção para esse evento? Tem recebido muitos feedbacks?
Todos os dias. As pessoas me deram as mãos. Muitos influenciadores se comprometeram a estar lá, nenhum deles está sendo pago para isso. Eu estou arcando com todos os custos da Marcha em si, mas viagens, passagens aéreas, ônibus, translado, hotéis, é cada um por si. Não estou pagando nada para ninguém, mas as pessoas estão vindo por livre e espontânea vontade. E acredito e espero que dê bastante gente.
E quanto às críticas às suas associações políticas? Algumas páginas dizem que você foi um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Eu estou nas redes sociais há muito tempo. Haters é o que mais tem. Já estou processando cinco pessoas por dizerem que eu era bolsonarista, que apoiei o Bolsonaro. Isso é mentira. Fazem isso para tentar me queimar porque acreditam que boa parte da religião é petista. Então, tentaram alguma maneira de me prejudicar. Não existe nem Lula, nem Bolsonaro, nem nenhum partido por trás. Eu não estou sendo financiado por nenhum partido. Ninguém está me bancando. Não tenho envolvimento algum com Bolsonaro e a Marcha não tem nenhum envolvimento político. É um ato político, porque quando você reivindica seus direitos está lutando por uma causa. Mas eu não estou apoiando nenhum partido político, nem de esquerda, nem de direita. Meu partido é Exu.
Qual imagem você quer que fique da I Marcha para Exu? Vocês pretendem fazer desse movimento um evento anual?
Eu quero que fique claro para todos que a gente só quer ser respeitado. Nossa religião irá respeitar todas as outras religiões. Todos os fiéis de umbanda, candomblé ou outros cultos de matriz africana, estão ali por amor e respeito a todas as religiões e não apenas a nossa. A gente não quer guerra, a gente quer paz. Eu quero que meus tataranetos se lembrem do dia 13 de agosto, que eu sei que vai ficar para a história. A Marcha não será só esse ano, isso eu posso garantir desde já.