Estilista americana Iris Apfel volta a brilhar em badalado leilão da Christie’s
A estrela do mundo fashion explodiu com estrondo e influência com mais de 80 anos de idade

Ela era da pá virada. Começou a carreira profissional, nos anos 1950, como designer de interiores para a alta roda de Nova York — ajudou também a decorar alguns dos salões da Casa Branca, de Harry Truman a Bill Clinton, ao longo de nove presidências —, mas virou celebridade com o caleidoscópio coloridíssimo de roupas que inventou já com mais de 80 anos de idade. Misturava o estilo hippie com a alta-costura, peças compradas em mercados de pulgas com exemplares de luxo incontestável. Ao morrer, em 2024, aos 102, deixou como legado um século de ousadia — e de repercussão nas atuais passarelas de moda. Em 2005, uma exposição de seu trabalho no Metropolitan Museum of Art, o Met, a transformou em totem sem tabu, e então Iris Apfel, de sobrenome de solteira Barrel, virou mito em vida. Uma frase — a provocação feita por trás de óculos de aros grandes, ao estilo Elton John, sob cabelos platinados — era a definição de uma existência: “Quando você não se veste como todo mundo, não precisa pensar como todo mundo”. Bingo!, e seguia em frente.
Iris, que se autointitulava “estrela geriátrica”, voltou agora a brilhar, ainda que nunca tivesse saído da atenção do universo fashion. Um leilão realizado pela Christie’s nova-iorquina oferecerá, até 13 de fevereiro, em lances que podem ser dados virtualmente, um lote de 200 peças da coleção da estilista, entre vestidos, calças, casacos, anéis, pulseiras, óculos — é claro — e artigos de decoração. O título da venda diz tudo: Unapologetically Iris, algo como “Iris sem Pudores”. Ela realmente não os tinha, em um festival extravagante, espalhafatoso, em que mais sempre foi mais, e menos, sem graça. Vestia-se, enfim, de coragem e sorriso, é o que mostram os produtos levados ao martelo e que antes puderam ser vistos presencialmente em galerias e hotéis de Miami e no Rockefeller Center, em Manhattan.

Para chegar ao ponto a que chegou, em que valia tudo, Iris tratou antes de consolidar sobejo conhecimento — ao molde de artistas abstratos que só desconstruíram as figuras depois de aprenderem a desenhar com raro esmero. Ela estudou história da arte na Universidade de Nova York e belas-artes na Universidade de Wisconsin. Seu primeiro trabalho foi como redatora da revista Women’s Wear Daily, onde ganhava 15 dólares por semana. Foi assistente do reputado ilustrador Robert Goodman e da designer de interiores Elinor Johnson. Em 1950, ao lado do marido, Carl Apfel, fundou a empresa têxtil Old World Weavers, especializada na reprodução de tecidos dos séculos XVII, XVIII e XIX. A empresa se destacou pela qualidade e exclusividade dos materiais, atendendo a clientes como Greta Garbo e Estée Lauder — além, insista-se, da Casa Branca.
Desde cedo, desenvolveu gosto especialíssimo por garimpar produtos em antiquários e brechós, atalho para o que depois transformaria em guarda-roupa inigualável, como um manifesto de alegria. Era conhecida no mundinho do estilo, figura indelével e querida, apesar de um tantinho ranzinza (mas ela podia). Explodiu em fama com a mostra do Met e então já nem podia andar na rua — porque andava como pavão, sim, mas também porque ficou famosa, ícone de primeiríssima linha, antes da forçação de barra das redes sociais. Não demorou para que grandes grupos passassem a cobiçá-la (tinha então 84 anos). Marcas como Gucci, MAC Cosmetics e H&M tiveram coleções rabiscadas por Iris — que lançou sua própria linha de bijuterias e teve uma boneca Barbie inspirada em sua imagem. Em 2019, aos 97 anos, assinou contrato com a agência de modelos IMG, pela qual chegou a desfilar, com elegância.

O leilão é oportunidade de revisitá-la e, para os mais endinheirados, chance de pintar o armário com cores vivíssimas — alguns produtos chegam a dezenas de milhares de dólares. Um de seus lemas, “nunca se está velho demais para se divertir”, é ainda hoje inspirador. “A grande lição de Iris foi insistir na personalidade, o que sempre fez de melhor, e se fazer respeitar por isso”, diz a consultora de moda Gloria Kalil. “Evidentemente, como todo ícone, ela exagerava, como se estivesse sublinhando os assuntos.” Foi o que a fez diferente de tudo o que está aí. Ela coloriu o século.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929