Da Ásia com amor: séries orientais seduzem o público brasileiro e lançam tendências
Com a ajuda das plataformas de streaming, elas ditam hábitos de consumo
As relações comerciais e culturais entre o Ocidente e o Oriente sempre foram marcadas pela troca. Ao longo da história, bens e produtos viajaram de um lado para o outro e representaram um importante intercâmbio entre as potências da Ásia e da Europa. Com o passar do tempo, esse movimento ganhou novo impulso. Atentas a novos mercados em ascensão, grifes do Velho Continente passaram a abrir filiais em países como China, Coreia do Sul e Japão. Durante muitos anos, os europeus levaram clara vantagem, mas agora o fluxo de negócios começa a caminhar na direção oposta. Com a força das plataformas de streaming e das redes sociais, as tendências e hábitos de diferentes países asiáticos têm conquistado espaço crescente no outro lado do mundo. No Brasil, produções coreanas, turcas e indianas têm ajudado a pautar as tendências de moda, beleza, cultura e até de comportamento.
Nenhum país exemplifica tão bem esse momento quanto a Coreia do Sul. A faceta mais clara da influência sul-coreana está presente no setor audiovisual. De filmes vencedores do Oscar, como Parasita, a séries de imenso sucesso, como Rainha das Lágrimas, a segunda de maior êxito da história da TV coreana, fica evidente que as produções de lá atingiram um nível de aceitação global. O público se acostumou aos chamados doramas, os dramas sul-coreanos, que figuram atualmente entre os mais vistos de serviços como a Netflix. Para além dos filmes e séries, há um interesse maior por toda a cultura local.
É o caso da gastronomia. Pratos como bibimbap, mistura de arroz, carnes e vegetais, ou o kimchi, a acelga fermentada e apimentada, entraram no cardápio dos brasileiros. A música de grupos como BTS e Blackpink também se tornou popular por aqui, assim como o modo de se vestir. “Os sul-coreanos são muito avançados em termos de moda”, diz Patrícia Diniz, consultora e professora do hub de luxo da ESPM. “Eles assimilam aspectos locais com referências internacionais.” Isso se traduz no uso de tons pastel, com menos cores exuberantes, e na mistura de peças caras, algumas de grifes de luxo, com outras mais simples.
A Turquia também tem se consolidado como importante fonte de inspiração cultural. Isso se deve, em boa medida, às séries de televisão, conhecidas como “dizi”. A América Latina, especialmente Brasil e Chile, é uma das maiores consumidoras dessas produções, que incluem clássicos como Fatmagul, exibida originalmente entre 2010 e 2012, a produções recentes como Será Isso Amor?. O estilo discreto, mas elegante, das atrizes turcas é referência para o público daqui. Tanto é assim que há até uma marca de roupas, Ismy, criada por Isabela Ferreira, brasileira que se apaixonou pelas peças de alfaiataria usadas nas produções turcas. Até a Índia vem conquistando espaço no imaginário fashion ocidental. Por enquanto, as roupas e maquiagens indianas servem mais de curiosidade do que propriamente influência.
De todo modo, algumas tendências despontam, como o desafio Asoka de maquiagem. A partir do visual da atriz de um épico do cinema indiano, maquiadoras do mundo passaram a criar suas interpretações. Os vídeos, embalados pela trilha do filme, viraram um fenômeno das redes. No Brasil, a influenciadora Camila Pudim alcançou 5 milhões de curtidas com sua versão, que mescla cortes precisos da edição com acessórios e roupas tradicionais da Índia.
O interesse pela cultura de países asiáticos é bem-vindo e se dá em um momento de busca por maior diversidade. “O público está cansado de consumir sempre os mesmos conceitos americanos e europeus”, diz Patrícia Diniz. “As pessoas começaram a buscar o próprio nicho de interesse e olhar para além do que estão acostumadas a consumir.” Isso se reflete na preferência pelas produções asiáticas e na procura por roupas e produtos de beleza do Oriente. Mas também, de forma curiosa, no comportamento. Nas produções turcas e sul-coreanas, os relacionamentos amorosos são mais idealizados. Há rituais de conquista e as cenas de romance são bem menos apimentadas do que o público está habituado a ver nas novelas brasileiras ou nos filmes americanos. Na geopolítica, usa-se a expressão soft power para descrever a capacidade de um país influenciar outros por meios culturais. Ditar a moda e inspirar até a maneira como as pessoas se relacionam é prova clara desse poder.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906