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Cresce o número de brasileiros que criam abelhas ‘de estimação’

Atividade rende mel e ajuda a preservar os insetos e até as plantas

Por Diego Alejandro
Atualizado em 4 jun 2024, 10h16 - Publicado em 9 jul 2023, 08h00

É fato conhecido: há um declínio na população de abelhas pelo mundo, fenômeno que tem repercussões na flora e na produção de alimentos, uma vez que esses insetos polinizam os vegetais. Em 2017, o governo brasileiro aprovou uma lei estabelecendo que os agrotóxicos a serem comercializados deveriam passar por testes de avaliação de risco com a Apis mellifera, a espécie mais numerosa e conhecida no país, embora tenha origem estrangeira. Mas a devassa continuou. Ao debruçar-se sobre a questão, o Ibama constatou que as autoridades haviam se esquecido de um ponto crucial nessa história: ainda que alguns pesticidas não façam mal às abelhas mais comuns, eles podem acabar com as espécies nativas sem ferrão.

Existem cerca de 250 tipos desses insetos de berço tupiniquim. Eles perderam terreno com a introdução da Apis mellifera, a destruição das matas e o uso abusivo de defensivos agrícolas. Mas jataí, mandaçaia, uruçu e tantas outras são indispensáveis à manutenção da biodiversidade. Ao passarem de flor em flor, carregam o pólen e ensejam a fecundação das plantas, contribuindo para sua renovação — 90% das espécies da Mata Atlântica dependem disso. Há séculos, os povos indígenas e tradicionais também cultivam tais abelhas para a produção de mel.

O risco de sobrevivência dos insetos sem ferrão veio alimentar um movimento em ascensão. Na última década, a chamada meliponicultura — que contrasta com a apicultura, da Apis mellifera — se popularizou, inclusive em centros urbanos. Atividade conectada à preservação ambiental, a criação dos exemplares nativos atrai milhares de brasileiros que desejam ter um zumbido de estimação. E quem sabe um mel diferenciado.

CULTIVO EM CASA - Direto da caixa: criação dispensa proteção e rende alimento saboroso, como o mel de jataí
CULTIVO EM CASA – Direto da caixa: criação dispensa proteção e rende alimento saboroso, como o mel de jataí (Fernando Marrone/Evaristo Sa/AFP)

É nesse contexto que a Associação Brasileira de Estudos das Abelhas, em parceria com pesquisadores da Embrapa e da USP, publicou um e-book gratuito com dados e orientações sobre sessenta espécies nacionais, servindo de introdução e embasamento a quem quer se aventurar na meliponicultura. “Quando pensamos em abelhas, só vem à cabeça aquela que sobrevoa o refrigerante. Lançamos o livro para mostrar a riqueza da nossa fauna”, diz Ana Lúcia Assad, diretora da associação. Cada ficha da obra reúne informações para facilitar o reconhecimento e o manejo dos bichinhos, bem como entender seu comportamento. Nas plantações, elas auxiliam a aprimorar a produção de frutas, já que as abelhas polinizam os pés.

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O apreço pelo tema tem alavancado cursos de cultivo dessas espécies. “Eles são voltados a pessoas que querem ajudar na preservação. Ensinamos quem são essas abelhas e sua importância, como cuidar delas e continuar protegendo o ambiente”, explica Celicina Ferreira, presidente da Associação de Meliponicultores do Rio de Janeiro, enfatizando a elevada procura nos últimos tempos. Outro de seus atrativos está no mel. Ou melhor, méis. Porque os produtos têm características diferentes de acordo com a espécie e a flora. Quem experimenta sentirá sabor e acidez distintos da versão convencional — além de perfil nutricional superior. O alimento que vem das nativas sem ferrão já é até mais cobiçado no mercado: enquanto 1 quilo de mel comum custa cerca de 30 reais, o das brasileiríssimas pode bater os 300.

E não é por acaso que há quem tenha feito da atividade seu ganha-pão. “A ideia veio como uma fonte de renda adicional para equilibrar as contas na minha fazenda em Atibaia”, conta Eugênio Basile, empresário que, ao lado da mulher, Márcia, criou a Mbee, que produz e vende méis de abelhas sem ferrão e tem cinquenta fornecedores de treze estados. Seguir os passos de um meliponicultor não é algo de outro mundo. Equipamentos de proteção são dispensáveis, porque esses insetos não picam. Dá para criar as abelhas no quintal e mesmo em varandas. E é possível adquirir as caixas que servirão de colmeia já prontas. “As abelhas nos transformam, mudam nosso olhar sobre os cuidados com a natureza”, diz Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa e um dos autores do e-book. Já pensou em ter um enxame de estimação?

Ela dominou o pedaço

BEM-SUCEDIDA - Apis mellifera: importada, tornou-se a mais numerosa
BEM-SUCEDIDA - Apis mellifera: importada, tornou-se a mais numerosa (Mauricio Aquino/iStock/Getty Images)
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Quando pensamos em abelha, a imagem estampada na mente é a da Apis mellifera, com seu inconfundível corpinho preto e amarelo. Embora muito conhecida por aqui, ela não é originária do Brasil. A atividade apícola teve início no país em 1839, quando o padre Antônio Carneiro trouxe de Portugal algu­mas colônias dessa espécie. Desde então, as “invasoras” se adaptaram muito bem à flora tupiniquim.

Nos anos 1950, com a introdução das abelhas africanizadas — mistura da europeia com um tipo africano que se mostrou mais resistente a doenças —, a Apis mellifera estendeu seu império, tornando-se a espécie dominante no país.

As diferenças para as nativas sem ferrão começam pelo fato de elas terem… ferrão. Passam pelas características visuais e anatômicas e abrangem a própria estrutura das colmeias. As de origem estrangeira armazenam o pólen e o mel em favos, enquanto as nativas constroem potes e canudos para depositá-­los. Outra distinção diz respeito ao número de machos com os quais a rainha acasala na natureza. As monarcas sem ferrão se reproduzem com apenas um elemento, enquanto a soberana das Apis mellifera se une, em média, a quinze parceiros.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849

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