Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Como três mulheres abriram caminhos para os direitos políticos femininos

Elas não alcançaram o direito ao voto, mas desempenharam um papel crucial no fortalecimento da luta pelo direito à cidadania feminina

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 12h14 - Publicado em 21 mar 2024, 18h20

Durante o recesso de janeiro de 2016 uma mudança simbólica aconteceu no Senado Federal. O espaço passou a ter um banheiro feminino. Inaugurado em 1960, demorou 55 anos para que a estrutura finalmente fosse feita. A ausência de uma instalação tão básica deixava evidente um sentimento que as mulheres brasileiras tiveram que lidar desde a fundação do país: não havia espaço para elas, nem no Senado, nem na política. A arena das decisões públicas e toda sua estrutura, incluindo os banheiros, fora construída por homens e para homens. Enquanto a eles era garantida a participação na esfera pública, às mulheres restava predominantemente o domínio da esfera doméstica. Mesmo quando algumas ousavam ter uma participação mais ativa, frequentemente o faziam sob a tutela masculina, seja a de um marido ou de um mentor. Se a Constituição de 1824, a primeira do país, e outros códigos legais, já não proibiam explicitamente o voto feminino, não era por tolerância, mas sim porque era inconcebível que qualquer mulher, independentemente de seu status, pudesse exercer seus direitos políticos. Algumas, porém, pensavam diferente e se aproveitaram de todas as aberturas possíveis. 

É o caso de Isabel de Sousa Mattos, que resolveu tirar proveito de uma brecha na lei para requisitar o direito ao voto. Uma reforma na legislação eleitoral, feita sem mencionar mulheres, autorizava o voto a todas as pessoas com diplomas legalmente reconhecidos. Apesar de cumprir todos os requisitos, e conseguir uma decisão favorável em segunda instância, seu pedido acabou revogado na decisão final. A justificativa, usada para negar solicitações femininas posteriores, era que “o papel social da mulher, de procriar e criar a prole, requeria seu isolamento” e a participação na política poderia levar ao desequilíbrio do lar. A decisão não pacificou os ânimos das pleiteantes ao voto.

1
Leolinda Daltro, junto a outras feministas cariocas, aproveitou-se de uma brecha na lei para criar o primeiro partido feminino do Brasil. O partido, porém, não podia lançar candidatas e suas eleitoras não tinham direito ao voto – (Arquivo/Reprodução)

Seis anos depois, aproveitando-se novamente de lacunas que não proibiam diretamente a participação política das mulheres, outra Isabel, a baiana Isabel Dillon, ousou tentar candidatar-se a deputada. Novamente, todos os requisitos estabelecidos foram atendidos, exceto um: Isabel não era um homem. Embora esse último ponto não estivesse previsto explicitamente na legislação, foi suficiente para impedir sua candidatura. A recusa de seus pedidos, no entanto, uniu mais mulheres em torno da reivindicação pelo direito à cidadania plena.

Leolinda de Figueiredo Daltro, revoltada por ter seu pedido de registro eleitoral negado, juntou-se a outras feministas cariocas para explorar outra brecha legal. Desta vez, algo improvável aconteceu. Contornando a lei de criação dos partidos políticos, Leolinda conseguiu que o Partido Republicano Feminino (PRF) fosse oficialmente registrado em 18 de agosto de 1911. Embora o PRF fosse oficialmente um partido, não podia lançar candidatos, pois as mulheres ainda não tinham o direito de ser eleitas nem de votar. Privadas das prerrogativas básicas restava fazer barulho – e elas fizeram. 

Continua após a publicidade
Snapinsta.app_190962925_505136673858695_1841676965212576596_n_1080
Em 1995 Kátia Tapety se tornou a primeira mulher trans a ocupar um cargo político no Brasil, se tornando vereadora no Piauí – (Arquivo Pessoal/Instagram)

O PRF liderou o lobby pelos direitos femininos e foi o precursor de uma série de organizações que facilitaram conquistas posteriores, incluindo a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), liderada pela conhecida Bertha Lutz. Em 1927, 45 anos após a petição inicial de Isabel de Sousa Mattos, Celina Guimarães Viana e Julia Alves Barbosa tornaram-se oficialmente as primeiras eleitoras brasileiras. No ano seguinte, Luísa Alzira Teixeira Soriano foi eleita prefeita da cidade de Lajes, tornando-se a primeira mulher a ocupar esse cargo em toda a América Latina.

A luta pela plenitude política iniciada ainda no século XIX resultou, em 2022, na maior bancada feminina da história, embora o percentual esteja muito aquém do esperado. São 91 mulheres na Câmara, em um total de 513 deputados, e 15 no Senado, entre 81 representantes. Mesmo entre as raras exceções, as escolhas não são iguais. Entre as senadoras, por exemplo, não há nenhuma mulher negra exercendo o mandato. Além disso, quase 190 anos separam Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada eleita, de Erika Hilton e Duda Salabert, primeiras mulheres trans a chegarem à mesma Câmara de Deputados. 

Continua após a publicidade
Thabatta-Pimenta
Thabatta Pimenta foi a primeira mulher trans eleita para um cargo político no Rio Grande de Norte – (Arquivo Pessoal/Instagram)

Em 1992, em Colônia, no Piauí, Kátia Tapety também protagonizou algo inédito. Tornou-se a primeira transsexual eleita para um cargo político. Quase 30 anos depois, o Brasil elegeu outras 28 vereadoras trans como Kátia. Uma delas era Thabatta Pimenta, eleita em Carnaúba dos Dantas, cidade com pouco mais de 9 mil habitantes. Ela se tornou, simultaneamente, a primeira mulher trans a ocupar um cargo político não apenas na cidade, mas em todo o Rio Grande do Norte. “Quando essas oportunidades chegam até nós, a gente mostra que consegue fazer a diferença”, diz. Acostumada a ser o corpo “estranho”  em lugares desacostumados com sua presença, Thabatta sonha ampliar seu território e já lançou sua pré-candidatura à Câmara de Natal, capital do estado. Agora, porém, espera ter companhia. “Nós não queremos ser as primeiras e únicas. Eu quero ver outras ocupando esses mesmos lugares”.

*Essa matéria é a terceira de uma série especial de quatro reportagens que busca resgatar biografias de mulheres pouco conhecidas da história brasileira, relacionando-as a trajetória de mulheres contemporâneas. As histórias foram publicadas ao longo de todo o mês de março. 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.