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A lição da radical experiência de descriminalização de drogas no Oregon

Caso mostra que, sem estímulo ao tratamento, os efeitos deixam de ser positivos

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 3 jun 2024, 17h05 - Publicado em 30 mar 2024, 08h00

Um notável avanço do século XXI foi ver aflorar mundo afora um debate dos mais delicados, daqueles que se costumava varrer para debaixo do tapete: a descriminalização das drogas. É questão controversa, cheia de nuances, que deve ser mantida a salvo de ideologias para se fincar na ciência e na experiência de países que, com cada vez mais frequência, vêm flexibilizando o uso de entorpecentes justamente com o objetivo de minimizar seus danos. Na última década, nações como Uruguai, Canadá, México e África do Sul liberaram o consumo da maconha — passo dado de forma pioneira na Holanda, nos anos 1970, e aprofundado com tintas nunca antes vistas em Portugal, em 2001, onde portar outras substâncias, como cocaína, heroína e LSD, também deixou de ser crime.

Foi por essa trilha mais radical que enveredou o Oregon, estado da Costa Oeste americana que, em 2020, cravou em plebiscito que usuários de todas as drogas, até mesmo dos devastadores opioides, não poderiam mais ser detidos. Toda a literatura corrobora que os efeitos da medida tendem a ser benéficos sob muitos ângulos — a começar pela própria saúde dos indivíduos que penam com o vício. Mas naquele ponto específico dos Estados Unidos, conhecido pela bela paisagem e o acentuado progressismo, a receita desandou e, agora, se ensaia uma volta atrás que torna obrigatória uma nova reflexão sobre tão candente assunto.

PORTA DE SAÍDA - Portugal: estímulo ao tratamento traz bons resultados
PORTA DE SAÍDA - Portugal: estímulo ao tratamento traz bons resultados (Horacio Villalobos/Getty Images)

O sinal amarelo no Oregon se acendeu quando a descriminalização passou a colher efeitos avessos ao esperado — com o consumo em alta, as mortes por overdose escalaram 42% em 2023, puxadas pela explosão do fentanil, o letal opioide. Também as ruas foram tomadas de gente usando drogas, uma deprimente paisagem na qual a incidência de pequenos crimes não para de crescer. Debruçada sobre tais desdobramentos, a Assembleia Legislativa local acaba de aprovar um projeto de lei que propõe uma marcha a ré — não completa, mas suficiente para alterar a essência do plano original. A ideia, ainda a ser chancelada pela governadora democrata Tina Kotek, é dispor de um concreto mecanismo de estímulo ao tratamento: ou o usuário engata nos programas em centros especializados, ou fica passível de reclusão de até 180 dias. Não é o mesmo que antes, quando, por princípio, tudo conduzia à prisão, abarrotando as celas de indivíduos que, na verdade, requeriam cuidados médicos. Mas, certamente, regressa algumas casas na escala da liberalidade. “Não dá para deixar de responsabilizar as pessoas”, já disse a governadora.

Em um roteiro previsível, o caso do Oregon logo deu carga à artilharia de conservadores prontos para minar o debate, disparando argumentos sem envergadura histórica nem verniz científico. O vasto conhecimento acumulado sobre o polêmico tópico mostra que abordá-lo unicamente sob a lupa da segurança, tendo no usuário um criminoso, quase sempre faz aumentar a incidência do vício, já que espanta as pessoas das engrenagens públicas que poderiam ajudá-las. Descriminalizar, portanto, vem se revelando um caminho acertado, desde que o Estado não saia de cena, como se observou no Oregon. Um mergulho no exemplo português, que contabiliza duas décadas de estrada, enfatiza a necessidade de zelar para que a decisão de transferir responsabilidades aos cidadãos não desande. Ali, implantou-se um sistema de fichamento, que, embora não mire o encarceramento, registra o nome do usuário num banco acessado por empregadores, por exemplo, e o encaminha a comissões de saúde, para que receba suporte médico.

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PARADOXO - Coffee shop em Amsterdã: consumo e venda são liberados, mas plantio é proibido
PARADOXO - Coffee shop em Amsterdã: consumo e venda são liberados, mas plantio é proibido (iStock/Getty Images)

Como nada é trivial nesse terreno em que as sociedades ainda aprendem a caminhar, também Portugal, onde a descriminalização das drogas contribuiu para uma bem-vinda redução do contingente carcerário, da taxa de transmissão de HIV e das mortes por overdose, está às voltas com uma discussão sobre como lapidar suas iniciativas. Nos últimos anos, o uso de entorpecentes vem se expandindo e isso ecoa no avanço da criminalidade, um ciclo que atormenta em grau semelhante vizinhos como Suécia, Noruega e a pioneira Holanda. “A dependência das drogas não deve ser tratada exclusivamente como um problema de saúde, uma vez que se reflete profundamente na segurança da população”, ponderou a VEJA o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, que, além de defender o investimento em instalações para o tratamento, considera razoável delimitar locais onde tais substâncias podem ser consumidas, longe de escolas e hospitais — como já ocorre em tantos países, como o Canadá, outro que trilha a rota da descriminalização.

Um rol de nações tem testado um percurso ainda mais amplo ao legalizar a cadeia produtiva da droga, em especial a da maconha. O objetivo embutido aí é não replicar o enredo holandês — uma vitrine, aliás, sobre o que fazer ou não nesses mares em que eles já navegam há meio século. O que se viu por lá é que liberar o consumo e a venda de drogas, mas manter proibido o plantio, acabou por colocar o fornecimento nas mãos do tráfico internacional, fazendo multiplicar-se as gangues, que se infiltram por entre as brechas para comercializar substâncias mais pesadas. Por isso, países como Tailândia e Uruguai, assim como a cidade de Nova York, regulamentaram o mercado, concedendo licenças de cultivo a produtores e empresas. Dessa forma, passaram a amealhar altas somas num negócio antes sob absoluto domínio do tráfico. A virada, porém, não se dá da noite para o dia — depois de uma década, a ilegalidade em solo uruguaio segue respondendo por 70% do bolo. Para o Brasil, ainda no ponto inicial da discussão, que corre no STF e no Congresso, vale um olhar livre de prejulgamentos sobre como o mundo anda girando e avançando em torno do bom debate.

Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886

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