A febre das celebridades por crucifixos e outros ícones religiosos
Eles se transformam em joias cobiçadas por famosos. Se antes causavam polêmica, agora são símbolos de conexão espiritual
Em 1984, quando começava a despontar na cena pop, Madonna decidiu que era hora de chocar o público. No Video Music Awards, premiação da MTV, nos Estados Unidos, ela saiu de um bolo enorme enquanto entoava um clássico instantâneo, Like a Virgin. Para além da letra ousada e a performance provocativa, a polêmica veio do figurino: a nova estrela usava um vestido de noiva, adornado por dois elementos díspares: um cinto no qual se lia a inscrição boy toy (brinquedo de menino) e um imenso crucifixo, símbolo maior do cristianismo. Como Madonna havia previsto, o escândalo foi inevitável. A ruidosa aparição teve um efeito imediato na moda. As cruzes de origem religiosa se tornaram acessórios desejados, e logo cantores como Prince e George Michael passaram a usá-las em público. Quase quatro décadas depois, as chamadas joias de proteção — que incluem também figas, escapulários, olhos gregos e talismãs, entre outros adereços — estão de volta, mas de um jeito diferente.
Se a intenção no mundo pop antes era provocar, agora a tendência está conectada a questões de fé e espiritualidade. Recentemente, a eterna criadora de tendências Kim Kardashian pagou cerca de 200 000 dólares pela cruz Attallah, criada pela joalheria Garrard, em 1920. Cravejada de ametistas e diamantes, ela havia sido usada pela princesa Diana em 1987, em um evento de caridade. As celebridades, reafirme-se, aderiram em peso à tendência — do terço de Neymar nos campos de futebol aos brincos da modelo Hailey Bieber nas redes sociais, dos colares com motivos religiosos nos palcos onde se exibem cantoras e cantores como Beyoncé, Harry Styles e Rita Ora ao discreto crucifixo de Lourdes Maria Leon, filha de Madonna, no tapete vermelho do Grammy. Os looks inspirados em pingentes que pareceriam mais adequados nos colos de freiras e padres são como um comentário em torno de nosso tempo. “Em momentos como pós-guerra ou grandes epidemias, as pessoas sentem mais o desejo de proteção”, diz Bianca Zaramella, professora de comunicação de moda no Istituto Europeo di Design (IED).
As peças são onipresentes nas grandes joalherias. Fizeram fama as coleções de crucifixos da Tiffany, os talismãs da Cartier, os amuletos da Vivara, os diversos símbolos espirituais da Swarovski e as pedras místicas do designer Ara Vartanian, para citar apenas alguns exemplos. Vartanian diz que sempre pensa em joias como amuleto. Mas é preciso ter cautela para não ferir a fé das pessoas. “Deve haver respeito por símbolos de todos os tipos”, diz Frank Everett, vice-presidente da Sotheby’s Jewelry. Afinal, assim como os diamantes, as joias de proteção também podem ser eternas.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830