Sem meu celular, não sei como sobreviver. Pode ser exagero, mas muita gente sente-se exatamente assim. Eu ainda lembro da época em que o celular era um tijolo. Bem… ainda sou do tempo em que orelhão era um progresso. O celular tijolo já era uma maravilha, mesmo funcionando só de vez em quando por falta de sinal. Mas já fazia e recebia ligações de onde fosse, o que equivaleu a um grito de liberdade. Muitos aplicativos foram se integrando à telinha. Quer comida? Só pedir. Passagem de avião? Está lá. Meditação transcendental? Spotify? Banco? Waze? E o Instagram, que impera na vida de tanta gente, tornou-se uma chocadeira de famosos e de muitos influencers que ganham dinheiro à beça.
Mais recentemente, passei a conviver com documentos digitais. Nas eleições fui de e-Título. Certificado de vacina, também digital. Carteira de identidade, idem. Já saio sem carteira, cartões. Há quem se apavore. Meu assistente, Felippe, outro dia se apavorou: “Você vai sair só com o celular?”. Respondi: “É suficiente”. Susto: “Mas e se você for assaltado?”. Resposta lógica: “Se me assaltarem, vão levar o celular também. Dá na mesma”.
Eu imagino: sem o telefone, em uma cidade estranha, não consigo pegar avião, fazer pagamentos, pedir uma coxinha num bar e nem mesmo provar que eu sou eu. Um amigo quebrou o seu. Ficou dias e dias isolado do mundo, nem achando, nem sendo achado. Comprou um novo. Demorou dois dias para colocar todos aplicativos novamente. Ainda bem que tinha a nuvem, que para mim é tão misteriosa quanto uma viagem espacial.
É assustador depender tanto de um aparelho que pode ficar sem bateria, dar defeito, ou ser perdido ou roubado. Esquecer a senha, nem pensar. Já pensei em tatuar a minha para não ficar sem ela.
“Reclamar nunca. A tecnologia chegou para ficar. Se a gente mexer bem com ela, a vida fica melhor”
Há opções a caminho. Já soube da existência de chips sob a pele. Toda a minha ficha médica estaria lá. Mais os aplicativos. Minha vida inteira. Todos os compromissos. Já existe agenda no celular, mas às vezes não olho. Como seria no chip? Uma voz interna gritaria: “Hoje você tem psiquiatra às 14 horas!”.
Eu sou meio caipira. Ainda tenho medo dessas coisas não darem certo. Gosto de levar passagens impressas. Carteira de identidade. Mas até mesmo meu jeito de agir caminha rapidamente para o passado. Um novo estilo de vida surgiu.
Sempre fui um leitor voraz, por exemplo. Hoje, gasto mais tempo no celular que lendo. Fico por conta das mensagens, posts, reels… Muita gente só vê notícia on-line — o que é péssimo porque facilita as fake news, qualquer pessoa posta o que quer.
Amor também não falta. Tem quem se apaixone através do celular. Conheço um casal que só se viu pessoalmente após cinco anos, já na semana do casamento. São felizes!
Reclamar nunca. Aprender sempre. A tecnologia chegou para ficar. Se a gente mexer bem com ela, a vida fica melhor. Só sofro quando alguém me troca descaradamente pelo celular. Fica conversando ou trocando mensagens na minha frente. Eu me sinto tão rejeitado quanto órfão de novela mexicana.
Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810