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Emoções seletivas

Por que certas tragédias mexem mais com a gente que outras

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 9 jun 2024, 08h00

Em um país de tantas tragédias, é interessante avaliar por quais todo mundo se interessa e aquelas que a gente finge não ver. Nossas tragédias, é claro, já se tornaram um belo filão para as artes. Quando adolescente, vi a inesquecível montagem de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Sou incapaz de esquecer a cadelinha Baleia, de Vidas Secas, por Graciliano Ramos. Eu me comovi com todas elas, assim como com os Capitães da Areia, de Jorge Amado. No cinema, a violência de Cidade de Deus explodiu no exterior. Mas, quando se sai do mundo das artes, o que realmente nos abala? Vivemos em um país onde os negros, em uma cidade como o Rio de Janeiro, parecem ter recebido uma sentença permanente de morte. Transexuais são um alvo constante. Todos nos abalamos com tragédias como a do Rio Grande do Sul. Há algum tempo, quando o Litoral Norte de São Paulo despencou, botando abaixo tanto casas pobres como condomínios ricos, foi uma comoção. Há um sentimento, consciente ou não, que faz o povo chorar pelas tragédias dos brancos e ricos. Mas o coração não bate com tanta força por quem está do outro lado da linha. Eu gostei muito do filme Zona de Interesse, baseado no romance de Martin Amis, no qual uma família alemã mora ao lado do campo de concentração de Auschwitz, indiferente à tragédia diária no outro lado dos muros. Não somos iguais? Choramos com nossas mínimas emoções, abraçamos cãezinhos feridos. Mas passamos, sem olhar, diante de comunidades de mãos estendidas pedindo o que comer. No livro Necropolítica, de Achille Mbembe, resumindo, fala-se que há uma escolha contínua sobre quem se deve salvar. Percebo que há também uma opção sobre o que nos emociona de fato, sobre causas que nos tocam e outras a que somos indiferentes. Mal se pode andar nas ruas de São Paulo, devido ao número de moradores sem teto. Mas grande parte da população finge que não tem nada a ver com isso. É no máximo um incômodo.

“Nós escolhemos por quem chorar e que causa apoiar. É como se o resto não nos dissesse respeito. Mas diz”

Eu me pergunto: por que “escolhemos” sentir por uma causa ou não? Certas causas entram em moda — ainda bem, porque só assim se faz alguma coisa. Mas outras são esquecidas, como a contínua fome do Nordeste, a falta de remédios, educação e oportunidades. O extermínio da população mais pobre no Rio e, não vamos esquecer, a morte de policiais, que nem sequer podem usar farda perto de casa. As lágrimas dessas mães são só uma informação, que deixamos para lá.

Nós escolhemos por quem chorar. Aonde dedicar nossos esforços, que causa apoiar. É como se o resto não nos dissesse respeito. Mas diz. Dores germinam dores. A falta de um programa sanitário sólido pode ser a raiz de uma epidemia sem proporções. O condomínio de luxo no morro pode ser a base de um desmatamento sem proporções.

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Aprendi a não fechar os olhos ao que me incomoda, a olhar diretamente para os problemas. Mas isso não basta. É bom abraçar causas antes que a tragédia aconteça.

Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896

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