Cadê a rainha do escândalo?
O melancólico esquecimento da obra erótica de Cassandra Rios
Quando eu era garoto, havia uma escritora que era sinônimo de escândalo: Cassandra Rios. Seus livros, de forte conteúdo sexual e lésbico, vendiam aos milhares, inclusive em bancas de revistas. Com o governo militar, foram proibidos, assim como muitas outras obras. Com o final da ditadura, enquanto autores proibidos voltaram a ser reeditados, com prestígio, Cassandra não conseguiu reaver a posição que ocupava anteriormente. De best-seller tornou-se quase uma desconhecida. Eu a conheci pessoalmente quando tentava republicar suas obras. Na prática, já não se importavam com ela. A esquerda defendeu e lutou pela reedição dos autores censurados. Cassandra ficou esquecida. Proibida pela direita, deixada de lado pela esquerda, seu nome mingou e seus livros deixaram de ser reeditados. A escritora mais proibida pela ditadura militar não foi abraçada pela liberdade. A autora de milhões de exemplares já não conseguia ser republicada como antes, e sua obra foi para o esquecimento — assim como outra autora ousadamente sexual, Adelaide Carraro. Embora tenha sido das autoras mais lidas nos anos 1960 e 70, Cassandra foi completamente marginalizada. Em tese, pelos mesmos adultos que, quando adolescentes, chegavam ao delírio com suas descrições sexuais. Grande parte dos nossos clássicos seria esquecida se não fizesse parte do currículo escolar. Mas Cassandra não oferecia pensamentos profundos sobre a existência, nem era politicamente radical. Falava de sexo, com descrições chamejantes, para dizer o mínimo. Em época de grande repressão sexual, era uma voz libertária. Depois da ditadura, não recebeu o apoio da intelectualidade que tanto fez por outros autores censurados, e sua obra simplesmente definhou, embora tenha sido censurada e proibida. As Traças foi uma das obras que mais circularam clandestinamente durante a ditadura. É um livro que conta a história de uma moça criada em um ambiente conservador e que descobre seu poder de atração sobre mulheres e homens.
“Por que o sexo é assustador a ponto de ser proibido em várias culturas? O que me ocorre: é porque é bom”
Leitor fiel não existe, de fato. O gosto literário muda com as tendências da época. Mas o sucesso de Cassandra foi interrompido pela proibição política, embora ela não fosse essencialmente política, mas corajosa e libertária, capaz de falar sobre temas considerados proibidos.
Soube que nos dias de hoje há um interesse, inclusive entre grupos LGBTQIA+, pela obra de Cassandra. Boto fé. Eu confesso que a conheci pouco e não acompanhei seu falecimento, de câncer, em 2002. Acho essa redescoberta importante, não só pelos livros em si, mas pelo entendimento de como funcionava a cabeça dos que a proibiram. Eu sempre me pergunto: por que o sexo é tão assustador a ponto de ser proibido, perseguido, estigmatizado em diferentes culturas do mundo? Conhecendo alguma coisa do ser humano, só me vem uma explicação à cabeça: é porque é bom. E de alguma forma, em nossas mentes restritas, o que é bom acaba inevitavelmente sendo considerado ruim e perigoso.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973
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