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Artistas de festas

O desafio de lidar com os músicos e poetas de ocasião

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h27 - Publicado em 13 mar 2022, 08h00

Festa é bom quando chega ao fim. Explico. Acho uma delícia se fica um grupinho batendo papo horas e horas. Agito só de vez em quando. Sempre me certifico: é encontro entre amigos ou pré-Carnaval? Mas aí é que tá. Sempre tem o tipo que finge adorar um bate-papo. De fato quer fazer um showzinho particular. Cantar, tocar, declamar. Muitas vezes estou em uma rodinha de amigos. Cada um falando de esperanças, últimos e novos amores, da vida, enfim. Um sujeito chega com um violão. Senta-se e começa a dedilhar. Entoa uma musiquinha. Há um código não escrito: se alguém começa a cantar, as pessoas se calam. Um ou dois ainda se refugiam no terraço. Os restantes ouvem, queiram ou não. Em minutos, um coro de vozes desafinadas acompanha. Acabou-se a festa, a conversa, o papo. Fazer o quê? Pedir pra se calar? Eu dou uns minutos, solto um tchauzinho de longe. O artista ainda grita: “Fique, fique”. Faço cara de preocupação e olho o relógio. Há situações mais radicais. Por exemplo, se há um piano na sala. Nesse caso, frequentemente, o dono ou dona da festa resolve mostrar seu talento. Senta-se na banqueta e martela, martela… Se tento ir embora, protestos: “E o bolo, tem que esperar o bolo”. Sou obrigado a passar pela tortura, enquanto vozes esganiçadas acompanham hits do momento — ou, devido à minha idade e dos amigos, de vinte ou trinta anos atrás.

Eu gosto de música. Só não quero me tornar plateia de shows improvisados, inesperados. Pior é quando a anfitriã, que foi bela antes de se afogar no silicone, me diz : “Eu ainda podia cantar em uma novela sua, não podia?”. Dizer o quê?

“Os convidados querem mais um drinque e um pedaço de bolo. Cantar? No máximo os parabéns”

Também adoro poesia. Li a obra de Fernando Pessoa. Na escola decorei Casimiro de Abreu. Leio muita poesia, já tentei meus versos. Sou encantado com autores nos quais o sentimento poético está presente no texto, como Clarice Lispector. Mas… ai… é muito diferente quando alguém resolve declamar sua última produção na sala, para os convidados. Ou quando anuncia: “Vamos fazer um sarau”.

De novo: qualquer regra proíbe calar versos. Por mais pavorosos que sejam. Raramente alguém entende de poesia (eu mesmo, só o mínimo). Mas como é uma arte erudita, celebrada, fica feio dizer “não gosto”. Todo mundo finge que ama. O poeta recita e recita, todos que conseguem fazem olhar sensível. Os outros entediados. Como é sarau, outro é convidado, querem que eu recite também. Fujo. Por ser escritor, é comum acreditarem que faço versos. Há conhecidos que me enviam longas poesias por Whats­App. Mal consigo ler, mas respondo com palavras gentis.

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Ai de mim! Quando criança, recitava poesias em festas. Do alto de uma cadeira. Todo mundo aplaudia, como se eu fosse um gênio. Logo descobri que ninguém prestava atenção e só queriam se ver livres de minha voz esganiçada. O mesmo acontece com cantores, violeiros, pianistas… Em festas, os convidados na verdade querem mais um drinque e um pedaço de bolo. Cantar? No máximo os parabéns.

Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780

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