Há uma crise de saúde mental, mas estamos olhando para o problema errado
Será que a questão toda se resume à ansiedade? Entenda o conceito e as armadilhas da "evitação"

Nas últimas semanas, recebi inúmeras mensagens me questionando: “Dra. Luana, o que está acontecendo com a saúde mental no Brasil?”
A pergunta veio depois da notícia de que o país bateu recorde de afastamentos do trabalho por ansiedade e depressão. Só em 2024 foram quase meio milhão de licenças médicas — um salto de 68% em relação ao ano anterior.
É impossível ignorar um número como esse. Ele escancara algo que muitos já sentem há tempos, mas nem sempre conseguem nomear: estamos no limite.
Sim, a ansiedade e a depressão estão em alta. As empresas estão preocupadas. O governo quer agir.
Mas será que estamos focando no ponto certo? Estamos mesmo tratando a causa da infecção ou apenas um sintoma?
O problema não é a ansiedade
Como psicóloga clínica e professora universitária, acompanho há mais de 20 anos o impacto da ansiedade na vida das pessoas. Mas preciso dizer algo que pode parecer contraintuitivo em um primeiro momento: a ansiedade, por si só, não paralisa.
O que nos prende, o que nos consome e muitas vezes nos leva ao adoecimento é a forma como tentamos fugir dela.
O nome disso é evitação. E ela pode ser tão silenciosa quanto poderosa.
Evitação é todo comportamento que usamos para escapar do desconforto. Pode ser adiar decisões importantes, escapar de conversas difíceis, mergulhar no trabalho ou se anestesiar com distrações.
A intenção do seu cérebro é protegê-lo do que ele percebe como uma ameaça.
Basta receber uma crítica e a mente ativa o modo ataque: “Estão me desvalorizando”, quando era só um feedback. Um olhar torto na reunião e o cérebro grita: “Estão me julgando”, quando talvez a pessoa só esteja distraída. Um e-mail sem resposta? “Fiz algo errado”, pensa você — mas a outra pessoa só está ocupada. Um convite para algo novo e o medo dispara: “E se eu fracassar?”, mesmo sem nenhum perigo real envolvido.
Em vez de proteção, a longo prazo, o efeito é o oposto: mais ansiedade, mais frustração, mais afastamentos.
O inimigo invisível
A evitação não tem uma cara só — ela se disfarça em comportamentos comuns, até socialmente aceitos. Costumo dizer que ela se manifesta de três formas principais.
Reagir: você tenta controlar tudo, responde no impulso, não deixa espaço para a vulnerabilidade. Levanta a voz numa discussão porque o silêncio te sufoca. Responde a e-mails na hora só pra aliviar a tensão. Parece força, mas é medo disfarçado de ação.
Fugir: você vive ocupado, preenche cada minuto do dia, evita o silêncio e o confronto. Diz que está “focado”, mas por dentro está exausto. Parece produtividade, mas é corrida emocional para não sentir.
Congelar: você trava. Não decide, não muda, não se move. Fica horas no celular, dias empurrando decisões simples. Diz que precisa de mais tempo, mas o tempo passa e nada acontece.
Essas estratégias aliviam por um instante. Mas reforçam, dia após dia, a crença de que você não é capaz de lidar com o que sente.
Evitar é sobreviver. Encarar é viver
Evitar não destrói sua vida de uma vez. Vai corroendo aos poucos. É o emprego que você nunca buscou, a conversa que nunca teve, o projeto que você engavetou. É a coragem que você não acessou.
Evitar é como fechar uma porta e deixar a chave do lado de fora. Aos poucos, você deixa de se reconhecer. A autoestima diminui. A confiança enfraquece. Você começa a acreditar que não consegue lidar com coisas difíceis, quando, na verdade, só não está praticando.
E o que você evita, com o tempo, vira sua prisão. Nosso cérebro foi programado para nos manter seguros — não realizados. Ele prefere que a gente evite o risco do que abrace a possibilidade de crescimento. Por isso, a evitação parece tão natural.
Mas viver com ousadia exige outro caminho: o da ação com intenção, mesmo diante do desconforto.
A saída não está em agir no impulso, mas em aprender a ficar com a ansiedade tempo suficiente para que sua mente racional possa escolher com clareza.
Quer mudar de vida? Encare o desconforto
A saída da evitação não é agir no impulso, mas aprender a ficar com o desconforto tempo suficiente para que sua mente racional volte a comandar. Escolha uma área da sua vida onde você se sente travado e reflita:
- O que eu estou evitando?
- Que emoção estou tentando não sentir?
- O que estou perdendo ao continuar fugindo?
- E, principalmente: o que eu faria se confiasse na minha capacidade de lidar com isso?
A evitação e o seu cérebro vão insistir que você não dá conta. Mas a verdade é que você já deu conta antes. Só esqueceu da força que tem.
Encarar o desconforto não é fácil — e eu falo por experiência própria. Na semana passada, compartilhei aqui que escrever esta coluna já foi, por si só, um ato de ousadia. Mas tenho outro exemplo: comecei um perfil do zero no Instagram, voltado exclusivamente para falar com brasileiros.
No minuto em que publiquei o primeiro vídeo, meu cérebro gritou: “Você não é influenciadora! Você não é blogueira! Você é cientista, professora de Harvard, psicóloga!”
A voz e o discurso eram conhecidos. Eles já tinham aparecido quando comecei a produzir conteúdo em inglês anos atrás. E, mais uma vez, precisei me lembrar: não estou aqui para ser blogueira, estou aqui para ensinar o que transformou minha vida e levar ciência pra quem precisa dela — do jeito mais acessível possível.
Então, encarar o desconforto é mais do que necessário. É transformador.
Porque toda vez que você age, apesar do medo, algo dentro de você se fortalece. É como se disséssemos para o nosso cérebro: “Obrigada pelo alerta, mas eu vou assim mesmo.”
E é aí que começa a verdadeira liberdade.
Talvez o seu passo ousado hoje seja pequeno e invisível para o mundo, mas ele pode ser gigante dentro de você. Pode ser dizer “não” com mais firmeza. Pode ser pedir ajuda sem se culpar. Pode ser começar algo novo, mesmo sem garantias.
O que importa é que você escolha. Não pelo medo. Mas pelos seus valores. Pela vida que você quer viver. E, se a ansiedade aparecer, lembre-se: ela não é o fim do caminho. É o sinal de que você está se aproximando de algo importante.
Que tal escolher um pequeno ato de ousadia — e dar esse passo por você?