Cinco obras de coleções brasileiras são destaque em exposição em Londres
Pinturas de coleções particulares brasileiras ganham destaque na exposição 'Brasil! Brasil! Nascimento do Modernismo', em Londres

No dia 23 de janeiro, dois banners estavam expostos na fachada principal da Royal Academy, em Londres. O menor, à esquerda, anunciava a exposição Michelangelo, Leonardo e Raphael, destacando os principais artistas do Renascimento Italiano. Ao centro, em uma escala significativamente maior, o cartaz com os dizeres Brasil! Brasil! The Birth of Modernism trazia como fundo a pintura O Lago, de Tarsila do Amaral. Essa diferença de tamanho reflete como a arte brasileira vem ganhando cada vez mais destaque no cenário cultural internacional, como evidenciado pela Bienal de Veneza de 2024, com a curadoria do brasileiro Adriano Pedrosa, e pela recente exposição no Musée du Luxembourg, dedicada à pintora Tarsila do Amaral.
A mostra Brasil! Brasil! Nascimento do Modernismo abriu-se no dia 28 de Janeiro e se encerrará no dia 21 de Abril de 2025. A curadoria destaca dez artistas brasileiros ativos entre 1910 e 1970 que se inspiraram nas vanguardas modernistas européias — como o Expressionismo, o Futurismo e o Cubismo — para criar uma linguagem artística única, retratando a identidade, a diversidade cultural, a bossa e a beleza natural do Brasil. A arte moderna brasileira é relativamente negligenciada no exterior, tornando essa exposição um marco importante para sua representação internacional.
Muitas das obras presentes na exposição Brasil! Brasil! The Birth of Modernism vieram de coleções particulares espalhadas pelo Brasil e raramente são vistas pelo público em geral. Conheça cinco dessas obras que marcaram o desenvolvimento do modernismo brasileiro.

Durante uma estadia em Berlim em 1912, Anita Malfatti (1889-1964) viu pela primeira vez as obras de artistas pós-impressionistas. Esse primeiro contato a inspirou na adoção de pinceladas rápidas e distorções de elementos, características visíveis nas pinturas de artistas como Vincent van Gogh e Paul Cézanne. Sua experiência internacional ampliou-se quando em 1915, Anita estudou na Art Students League, em Nova York, e passava os verões na ilha de Monhegan, no estado do Maine, onde produziu A Onda. Esta é uma das poucas obras que marcam a primeira fase madura da carreira de Anita Malfatti, na qual a artista explora paisagens marítimas e seu interesse por alterações visuais de elementos da natureza, como os rochedos e o mar.

Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) viaja frequentemente a Paris, e em 1913 expôs duas obras no Salão dos Independentes na capital francesa, ao lado de artistas consagrados como Piet Mondrian e Francis Picabia. Seus quadros fazem referência ao movimento corporal, inspirado nos espetáculos de balé russo que assistia em Paris. Ao mesmo tempo, o contato com cerâmicas marajoaras durante a Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo trouxe ao artista uma nova inspiração geométrica, remetendo às civilizações antigas que habitavam a região da Amazônia antes da colonização. Além de evocar a cultura indígena brasileira em suas composições, Rego Monteiro incorporava influências do movimento Art Déco, como figuras alongadas e a predominância de tons dourados. Em Mulher Sentada, Vicente do Rego Monteiro une a brasilidade, representada pelas aves, à influência do Cubismo, expressa na figura do nu feminino retratado de forma alongada e geométrica.

A pintura O Lago, de Tarsila do Amaral (1886-1973), ganha destaque na exposição em Londres. Tarsila nasceu em Capivari e cresceu na fazenda de sua família, uma experiência que a levou a incorporar elementos do folclore brasileiro em suas composições. Mais tarde, passou a viajar frequentemente a Paris, onde estudou com pintores renomados como Fernand Léger (1881-1955).
O Lago é uma obra emblemática da fase antropofágica de Tarsila do Amaral, iniciada em 1928 e marcada pela famosa pintura Abaporu, que, por sua vez, inspirou Oswald de Andrade a escrever o Manifesto Antropófago. O manifesto propunha que a maior força da cultura brasileira era “canibalizar” outras influências para criar algo novo e único, rompendo com a predominância da cultura estrangeira. Em O Lago, Tarsila reinventa a representação da flora brasileira por meio de formas geométricas e cores vibrantes. A paisagem natural assume o protagonismo e estabelece uma conexão com o Surrealismo, onde árvores e flores possuem um aspecto onírico.
Além de artista consagrada, Tarsila do Amaral foi uma importante colecionadora de arte moderna. Sua coleção incluía obras de artistas como Pablo Picasso, Giorgio de Chirico, Joan Miró e Constantin Brancusi. O colecionismo brasileiro desempenha cada vez mais um papel fundamental na história da arte nacional e em sua representação no exterior. A pintura O Lago, assim como diversas outras expostas na Royal Academy, faz parte da Coleção Hecilda e Sérgio Fadel, uma das mais importantes do Brasil. Em entrevista, a colecionadora Marta Fadel afirmou: “O Brasil vem se destacando no cenário mundial das artes plásticas, especialmente com as obras do período modernista”, acrescentando que “a família Fadel sempre admirou e incentivou a arte brasileira, fomentando-a com seguidas solicitações de empréstimos de peças para diversas mostras no Brasil e no exterior.”

Rubem Valentim (1922-1991) nasceu em Salvador, onde teve contato tanto com a religião católica, por influência de sua família, quanto com as religiões afro-brasileiras. Em suas obras, buscava retratar a diversidade cultural brasileira por meio de um sincretismo visual, explorando elementos religiosos, especialmente do Candomblé, através da abstração.
Em Sem Título (1962), Valentim utiliza tons escuros para destacar símbolos espirituais e formas geométricas interligadas, inspirando-se nas obras dos artistas modernos suíços Paul Klee e Sophie Taeuber-Arp. No ano seguinte, o artista alcançou grande reconhecimento internacional ao representar o Brasil na Bienal de Veneza. Sua importância continua em evidência, com sua obra também presente na edição de 2024, com a curadoria de Adriano Pedrosa.

Alfredo Volpi (1896-1988) nasceu em Lucca, na Itália, e mudou-se para o Brasil com sua família quando tinha apenas dois anos. Autodidata, Volpi não teve um treinamento formal em arte e via a pintura como um processo a ser “resolvido” por meio da intuição do olhar. Volpi retratava cenas de pequenas cidades brasileiras com um aspecto colonial, incluindo fachadas e janelas de casas. Em Fachada (1963), o artista representa essas construções e adiciona as tradicionais bandeirinhas, símbolo das festas juninas brasileiras, que frequentemente se tornam protagonistas em suas pinturas a partir do anos 50.
Em suas pinturas, Volpi valorizava a materialidade. Ele preparava suas próprias tintas e, no final dos anos 1940, abandonou a pintura a óleo para adotar a têmpera de ovo, técnica utilizada por pintores europeus durante a Idade Média. Essa mudança conferiu às suas pinturas um aspecto mais translúcido. Sua admiração pela têmpera se intensificou após uma viagem a Pádua, na Itália, onde visitou aproximadamente 18 vezes a Capela Scrovegni, pintada por Giotto no início do século XIV. Evidenciado em Fachada (1963), Alfredo Volpi pintava de forma que conectava cores e formas de maneira harmoniosa ao mesmo tempo em que celebrava a cultura e identidade brasileira.