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‘Polícia é racista’, diz autor sobre reconhecimento facial nas delegacias

 Edson Souza Júnior foi indicado ao Prêmio Jabuti Acadêmico

Por Mafê Firpo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 31 Maio 2025, 10h00

Durante os doze anos que passou na Polícia Militar, Edson Souza Júnior, 38 anos, viu de perto o racismo estrutural que existe dentro da instituição. Na função de corregedor na polícia, o advogado lidava diariamente com casos de jovens negros e de periferia acusados injustamente de cometer crimes simplesmente por terem sido reconhecido por meio de uma fotografia por vítimas – foto que, às vezes, era tirada de redes sociais. Com base na própria experiência, Edson escreveu Reconhecimento Fotográfico Racista: Falsas Memórias e Criminalização no Brasil Contemporâneo (Ed. Autografia), obra indicada ao Prêmio Jabuti Acadêmico, e que detalha casos em que houveram prisões e acusações errôneas que destruíram a vida de muitos. Em entrevista à coluna GENTE, o autor conta como o racismo estrutural é tão presente que até mesmo policiais negros cometem atos racista, além de contar da história de quando foi preso por ter sido acusado falsamente de integrar uma milícia. Egresso do sistema penitenciário, hoje Edson é membro da Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC) e fala de maneira pessoal como é viver na pele uma prisão oriunda de uma investigação errada.

Quando começou essa pesquisa de falha no reconhecimento fotográfico no Brasil? Fui policial militar no Rio de Janeiro por doze anos. Atuei muito na seção jurídica e na corregedoria da polícia ouvia relatos e presenciava muitos casos de policiais que já no atendimento das ocorrências, dentro da viatura, eles já sugestionavam e mostravam fotos de algumas pessoas em seus celulares para as vítimas e para as testemunhas, induzindo a vítima ou a testemunha a apontar na delegacia aquele suspeito que está na foto que o policial apresentou. Na sua grande maioria são jovens negros das periferias, no estudo desse caso, mais de 80% dos erros de reconhecimento fotográfico ocorreram com negros das periferias, jovens. Esse foi o ponto de partida que me instigou a fazer essa pesquisa.

Na sua opinião, porque isso acontece? Busquei subsídios na psicologia jurídica, nos estudos da criminologia crítica, que retratam a questão da seletividade penal, porque isso existe no nosso sistema de justiça criminal. A clientela do sistema é sempre o jovem da favela e, da sua maioria, os negros. A Polícia Militar é uma instituição muito racista

Como funciona esse reconhecimento facial? Existe o reconhecimento de pessoas, que é um meio de prova, que existe no Código de Processo Penal Brasileiro, que deveria ser presencial, a vítima ou a testemunha vai na delegacia. Antes da pessoa fazer o reconhecimento, ela tem que fazer uma descrição prévia do suspeito, ela tem que falar como é a pessoa, se é negra, branca, se tem cabelo baixo… A partir dessas descrições, a autoridade policial delegada tem que buscar outras pessoas com características semelhantes. 

Qual é o maior problema desse método? O grande problema é que, as vezes, a pessoa vai fazer o reconhecimento presencial e colocam esse suspeito negro, mas com pessoas brancas.Quem a vítima vai apontar? Lógico que é o negro. A Polícia Civil não tem estrutura para fazer um alinhamento justo, colocar pessoas uma do lado da outra com características semelhantes. 

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E o fotográfico? O fotográfico hoje é a grande mazela. Por quê? Por não ter a necessidade de ser presencial, tem que pegar fotos, uma foto do suspeito, colocar do lado de outras fotinhas de outras pessoas com as mesmas características. A gente já esbarra num problema que as fotos não têm a mesma qualidade. Uma outra denúncia grave é que eles utilizam fotos de redes sociais, as fotos estão sendo extraídas das redes sociais sem qualquer tipo de controle, mesmo se a pessoa não tiver tido nenhuma passagem. O delegado também manda foto via WhatsApp para a vítima, algo totalmente contrário à lei.

Por que isso prejudica mais a população negra? Entra o racismo estrutural, a nossa sociedade é uma sociedade racista, por natureza. Vem desde a própria escravidão, do período colonial, a abolição foi na verdade uma libertação dos escravos, eles não tiveram nenhum tipo de apoio do governo. Hoje nós vivemos um racismo estrutural, um racismo institucional, nas instituições principalmente, a própria magistratura reflete a desigualdade – mais de 80% da magistratura é branca. 

E isso reflete na população carcerária também… A população carcerária brasileira, em sua grande maioria é composta por presos negros, jovens e pobres. Um  ponto que eu trouxe até de novidade no livro é que eu trago uma tese no sentido de que essas memórias racistas podem ser implementadas já na infância. Nos meios de comunicação, nas novelas, nos filmes, eles retratam o bandido negro, o bebum é o negro, o alcoólatra é o negro.O  embranquecimento de Machado de Assis também…  Eu chamo isso de memoricídio, um um homicídio da memória. Tudo isso colabora para que crianças cresçam discriminando outras pessoas negras e se tornam  um adulto racista. 

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Você é egresso do sistema prisional. O que aconteceu? Quando eu era policial, eu trabalhava na corregedoria, então eu investigava policiais e a maioria era corrupta. Eu acabei investigando uma pessoa que tinha uma certa influência policial e esse policial fez uma acusação contra mim, uma calúnia. Só que essa calúnia virou um processo, eu acabei respondendo e fiquei preso preventivamente nesse processo. Fiquei dois anos preso lá no batalhão prisional injustamente. Quando aconteceu isso comigo, foi surreal, uma semana antes, eu levei policiais presos para lá e uma semana depois, eu entrei preso lá e policial da corregedoria que fica preso, ele fica igual na mesma cela do estuprador.

Do que te acusaram? Me acusaram de que eu pertencia a uma milícia. Esse cara que eu investigava era de uma milícia e ele foi lá e falou que eu pertencia a uma outra milícia, sem qualquer tipo de prova. Eu encontrei ele depois que fui solto e ele pediu perdão. Eu fiquei com as marcas do sistema. Então, tive toda uma história lá dentro, de superação. Lá dentro, não tem racismo, mas, tem racismo na própria polícia. E o que é engraçado, os próprios policiais negros são racistas. Parece que a farda embranquece eles.

Como conseguiu sair? Eu consegui minha absolvição agora, esse ano. Esse processo se arrastou desde 2018. Eu saí da polícia, fiz a prova da OAB, exame de ordem, passei, virei advogado e assumi minha defesa dos meus próprios processos. Fui expulso da Polícia Militar em 2022, mas há possibilidade de retornar para a polícia, estou com um processo de integração, quero voltar e sair daquela porta da frente.

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