O ‘texto cruel demais’ para ser lido hoje no Brasil, segundo escritor
Igor Pires conta histórias de amor LGBTQIAPN+ nas redes sociais, que viraram best-seller adaptado para o teatro
Após vender 500 mil exemplares de Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente, Igor Pires, 27 anos, vê sua obra pela primeira vez nos palcos. A peça Textos cruéis demais – quando o amor te vira do avesso foi idealizada por Carlos Jardim. Os atores Edmundo Vitor e Felipe Barreto interpretam um romance no espetáculo, que estreia nesta sexta-feira, 13, no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro. Depois seguem para São Paulo. Igor conversa com a coluna sobre as temáticas de diversidade levantadas no livro – e agora na peça.
Por que contar uma história de amor homossexual ainda é um tabu no país? Contar essa história, que para além de ser entre os dois homens, é também uma história de amor de um cara preto em cena. Falamos sobre histórias racializadas e queers, de pessoas LGBTQIAPN+. Reivindicamos o lugar de humanidade. Durante muito tempo fomos colocados para escanteio e, cotidianamente, nossas histórias são marginalizadas ou colocadas em um lugar subalterno. Contar essa história no teatro é muito importante, ainda mais depois de um governo tão violento com grupos marginalizados.
Os textos foram publicados inicialmente nas redes sociais. Sofreu resistência quando tentou levar para a “literatura padrão” impressa? Acho que existe um preconceito sim, principalmente no começo, do mercado editorial entender e aceitar que esse tipo de literatura, proveniente da internet, também tem o seu lugar ao sol. Hoje em dia, depois de cinco livros lançados, a percepção do mercado, pelo mesmo em relação ao meu trabalho, mudou. Tendo em vista que os meus livros entraram nas listas dos mais vendidos, e a minha carreira está só começando, nascer dentro das redes sociais e depois poder publicar foi natural. A internet foi esse espaço em que pude crescer e me entender como escritor.
Você recebe muitos relatos de términos e histórias de amor? Muitas mensagens! Muitas histórias de amor, de casais que tiveram o meu livro como um ‘start’ para começar a relação. Tem uma em especial que eu sempre conto. Estava em Fortaleza, lançando o livro, e depois de umas três horas, a última pessoa da fila era uma mulher, mais ou menos 50 anos. Ela disse: ‘Não te conheço, mas eu comprei seu livro, abri a primeira página, e se eu tivesse lido esse texto há oito anos, minha vida teria sido diferente’.
Tem medo de dar um conselho ‘errado’ para alguém? Sinto que sou um instrumento que ecoa aquilo que observo dos meus amigos, das relações que mantenho, das histórias que escuto. Meu trabalho é o reflexo da minha observação do mundo. Não me sinto responsável, mas de certa forma as pessoas têm meu trabalho como um caminho, uma luz para sair de um relacionamento abusivo. E sim, tenho muito medo de dar conselhos, porque não é a minha posição aqui. A minha posição é de ser escritor, narrar acontecimentos.
Que texto seria cruel demais para se ler hoje no Brasil? A gente tem muito caminho pela frente para se pensar um país progressista, mais igualitário, mais justo, mais horizontal. Um país que precisa urgentemente de pensar, que tem sequelas da escravidão, que é pautado por esse cristianismo neopentecostal, baseado muitas vezes na violência, em uma ideia pavorosa de que a única família que existe é esse modelo ‘tradicional’. O texto cruel hoje no país é: ‘Cotidiano. Todo dia uma notícia de que o Brasil repetiu de ano’ (do livro Todas as coisas que eu te escreveria se pudesse).