‘O superego é um parasita mental, alarmista conservador’, diz autor
Neal Allen investiga os malefícios do 'crítico interior' na obra 'A Arte de Viver Dias Melhores'. A seguir, a entrevista à coluna GENTE

Autor do livro A Arte de Viver Dias Melhores (Ed. Cultrix), Neal Allen decidiu abandonar sua carreira no jornalismo para se dedicar a ajudar pessoas a se livrarem da voz de seu crítico interno, o tão conhecido superego. Mestre em Ciência Políticas na Universidade de Columbia, Neal chegou à conclusão que essas barreiras são uma forma de um “parasita”, que impede cada um seguir suas vidas sem estar em constante alerta de “perigo”. Em entrevista à coluna GENTE, ele afirma que, ao escutarmos essa “voz interior crítica”, agimos como crianças indefesas e inseguras que constantemente se vitimizam.
O que te fez deixar sua carreira como jornalista e começar a ajudar as pessoas a encontrarem sua “voz interior”? Cerca de dez anos atrás, deixei minha carreira corporativa para me tornar um coach executivo. O coaching evoluiu para o trabalho com o crítico interior que faço hoje. Quando descobri que o crítico interior não era eu, mas sim um parasita que já havia cumprido seu papel há muito tempo, fiquei maravilhado. O livro oferece técnicas para colocar o crítico interior de lado, mas seu ponto central é um exercício em que você pode realmente descobrir por si mesmo que o crítico interior não é você.
O que seria essa voz interior? É uma pessoa falsa que te intimida o dia todo e que parou de te dizer algo novo lá na adolescência.
Como o superego desenvolvido na infância atrapalha o processo de amadurecimento? O superego é uma invenção necessária da civilização para ensinar às crianças as regras. Ele lembra à criança de seis anos a olhar para os dois lados antes de atravessar uma rua movimentada, o que é vital, e a usar roupas que não serão motivo de gozação nas festas de aniversário, o que evita o bullying. Com o tempo, a criança aprende todas as regras básicas, toda a moralidade e convenções humanas do certo e errado, do bom e do mau. Quando ela chega aos 17 anos, já absorveu e integrou todas as regras que o crítico interior tem para ensinar. Você já é mais sofisticado que o superego, igualmente moral e capaz de tomar qualquer decisão por conta própria. Mas o superego gosta do seu papel, continua por perto e te tratando como se ainda fosse uma criança de seis anos, mesmo sem nada novo a ensinar.
Que tipo de ações esse ‘parasita’ impede uma pessoa de tomar? Todo conflito é curado pelo superego, que constantemente te lembra que, como uma pessoa civilizada vivendo entre estranhos, deve desconfiar por padrão. Todos nós vivemos ao lado de estranhos. O superego acredita que seu papel é reforçar esse perigo, mas na verdade ele exagera o perigo, age como se você fosse uma criança ingênua e te diz para ser paranoico com todos à primeira vista.
Você acha que a geração Z, ultraconectada à tecnologia, acredita ter mais liberdade para falar o que quiser e encontrar sua “voz interior”? Essa geração é tão insegura quanto as anteriores, se não mais. Proteger identidades é uma forma de insegurança. Andar em ovos com medo de ferir os sentimentos dos outros é uma forma de insegurança. Avançamos pouco em aceitar o estranho como igual, o que exigiria ignorar as identidades que carregamos. Embora eu apoie totalmente a inclusão e o antirracismo, também estou ciente de que estamos dando peso adicional à alteridade e à vitimização. É um paradoxo.
Como alguém pode se livrar dessas barreiras? Você já é moral. Não precisa ser lembrado dos princípios básicos o dia todo, especialmente por um valentão. Ser moral significa saber, compreender e enxergar a conveniência ou o valor de seguir as regras, exceto por alguns sociopatas, todos temos isso. Uma pessoa moral pode quebrar uma regra — e todos fazemos isso às vezes, ainda assim, conhecemos a regra. Ter uma voz que te repreende constantemente por algo que você já sabe não é um motivador essencial para a ação moral.
O esse “filtro” do superego não é importante? Não. O crítico interior (uso o termo como sinônimo de “superego”) é um alarmista conservador que te diz para valorizar apenas sua produtividade social. Visitar a amoralidade da verdadeira natureza não me torna amoral. Mas me oferece um descanso das repressões e paranoias das nossas vidas absurdamente ocupadas. O que há de errado em sentir satisfação ao caminhar pela floresta ou passear na praia?
Em certo momento, você fala sobre o papel do pai e da mãe na formação dessa voz interior. Como os vínculos parentais afetam isso? Como o crítico interior finge ser uma autoridade humana, ele adota a voz da maior autoridade que a criança conhece — um dos pais. O crítico interior é um pai ou guardião de faz de conta. A maioria das pessoas percebe que sua entonação se assemelha à da mãe, com o pai vindo em segundo lugar. Mas isso não importa, porque as regras que ele transmite não são baseadas em gênero.
E as amizades? Amizades próximas são a forma de amor que me permite ser quem sou sem correção. Meu melhor amigo não se incomoda com os meus lados irritantes que incomodam todo mundo. Esse tipo de amizade é um bom antídoto para o crítico interior. Se posso confiar que meu amigo gosta de mim, não preciso me defender.