O novo e surpreendente papel de Flordelis na cadeia, segundo biógrafo
Ullisses Campbell fala a VEJA sobre ex-deputada, foco de seu livro ‘Flordelis: A Pastora do Diabo’
Ex-pastora e ex-deputada Federal, Flordelis desperta curiosidade por uma história de altos e baixos, superação, assassinatos, religiosidade, poder e sexo. São os elementos necessários para fazer qualquer história da ficção ter interesse do público. Neste caso, a história não só choca por sua realidade nua e crua, como, aparentemente, não apresenta um desfecho – mesmo com a condenação a 50 anos e 28 dias por homicídio triplamente qualificado do então marido e pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019, tentativa de homicídio duplamente qualificado, além uso de documento falso e associação criminosa armada. Ullisses Campbell fala à coluna sobre a trajetória da mulher que pesquisou para escrever o livro Flordelis: A Pastora do Diabo (ed. Matrix). “Quando um líder religioso é encarcerado, tem mais chances de evangelizar os criminosos. É esse o novo papel da Flordelis”, diz Ulisses. Confira o bate-papo.
O que o livro traz de novidade sobre a figura da ex-deputada, agora presa e condenada? As novidades o se concentram na farsa em que a Flordelis se tornou. Para conquistar o título de “Mãe de 50 filhos”, ela enganou as apresentadoras Xuxa Meneghel, Ana Maria Braga, Hebe Camargo, Marília Gabriela, Cissa Guimarães… A biografia não-autorizada da deputada federal cassada mostra que ela nunca foi mãe dessas crianças e adolescentes. Flordelis e o pastor Anderson montaram uma organização criminosa disfarçada de família. Para pegar o comando para si, Flordelis resolveu matá-lo.
No livro, você visita os bastidores da infância e adolescência de Flordelis e revela passagens perturbadoras. Que episódio você destacaria como sendo o mais perturbador? Flordelis começa a congregar em igrejas evangélicas e acaba misturando bruxarias em seus cultos muito em função da mãe, Carmozina, que por sua vez herdou os rituais de um irmão. A forma como esse ocultismo vai repassando de mãos em mãos dentro da família é o que mais me chamou a atenção. Flordelis é um papel carbono da mãe. Outro ponto perturbador na infância da Flordelis é a violência sexual que ela sofre com a chancela da mãe, que também foi vítima de abusos. Achei incrível como essa violência sexual era naturalizada nas décadas de 1960, 1970 e 1980, principalmente no interior do Rio.
Você conta no livro que ela se envolveu em casos como o de sequestro de bebês de mães vulneráveis, abusos sexuais cometidos contra os “filhos” e até orgias disfarçadas de sessões de purificação. Como explicar a mente de Flordelis? É bom deixar claro que a Flordelis e o Anderson faziam rituais de satanismo de forma equivocada. Quem leva a sério esse conjunto de crenças ideológicas e filosóficas não faz o que eles faziam, como cultuar Baphomet e Exu Caveira, por exemplo. A Flordelis e o Anderson eram charlatões na seara religiosa. Ambos tinham compulsão sexual e eram adeptos do amor livre e mantinham relacionamentos abertos. Por isso eles transavam com os “filhos”. Como todo predador sexual, o casal de pastores escolhia presas vulneráveis, no caso as pessoas da casa.
Qual a origem religiosa de Flordelis ainda na infância? Flordelis frequentava igrejas da Assembleia de Deus e flertava com religiões de matrizes africanas, algo bem comum nas favelas do Rio, principalmente na década de 1980. Muitos pastores de igrejas neopentecostais do Jacarezinho, por exemplo, começaram a carreira religiosa em terreiros de umbanda se autointitulado “pai-de-santo”.
Como e por que ela usava a alcunha de Queturiene durante os rituais? Pode detalhar? Ela criou esse personagem para meter medo nos “filhos”. É muito comum líderes religiosos usarem o medo para segurar as suas ovelhas perto de si. É por isso que, em determinados cultos, os pastores evangélicos sobem nos púlpitos e falam muito mais o nome do “Diabo” do que o de “Deus”.
Por que há tanto interesse em torno dessa figura? O brasileiro tem um verdadeiro fascínio em crimes de grande repercussão que envolvem poder, assassinato e sexo. No caso da Flordelis, tem ainda componentes que despertam interesse, que é o fato de ela ser deputada federal, pastora e cantora gospel.
A seu ver, por que ela cometeu o crime contra o marido? Ela entregou a vida ao marido e, 30 anos depois, resolveu pegá-la de volta. A única saída encontrada para ela para voltar a ter o poder sobre o seu destino foi assassiná-lo. Ela acreditava que se separar chocaria a comunidade evangélica. Ou seja, para ela, uma separação é mais escandaloso do que um assassinato.
A condenação e prisão de Flordelis encerra em definitivo essa história? Não, porque ela já está exercendo um papel de liderança religiosa dentro da cadeia, pregando, realizando cultos e até dando autógrafos em Bíblias. As igrejas têm presença forte dentro das penitenciárias. Quando um líder religioso é encarcerado, tem mais chances de evangelizar os criminosos. É esse o novo papel da Flordelis.
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