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‘Invisibilização da violência’, diz advogada sobre subtração de crianças

Janaina Albuquerque é uma das principais ativistas que pede mudança na Convenção de Haia de 1980

Por Mafê Firpo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 abr 2025, 18h00

Advogada brasiliense, Janaina Albuquerque tem chamado atenção para casos com pouca representação midiática: a subtração de crianças. Segundo Janaina, apesar de 57 por cento dos casos de mães brasileiras que fogem de países europeus com os filhos envolvam violência doméstica, não há nenhuma legislação internacional que dê suporte a elas. A especialista, uma das vozes para mudanças necessárias na Convenção de Haia de 1980, responsável por casos como este, afirma que não há medidas protetivas eficientes para evitar futuras violências contra as mulheres. Representante da Revibra Europa, instituição que cuida de migrantes em situação de vulnerabilidade, Janaína conta à coluna GENTE sobre como ultrapassadas leis geram consequências drásticas à mãe, que pode perder a guarda dos filhos ou até mesmo ser presa.  

Por que mais de 50% dos casos de subtração de crianças envolvem violência doméstica contra mulheres?  É uma pergunta complicada. Não tenho como explicar por que exatamente tantos casos envolvem violência doméstica mas de fato, isso é um problema estrutural global. Muitas dessas mulheres foram discriminadas, passaram por processos muito desgastantes ou sequer conseguiram registrar a violência e baseadas em uma suposição ou expectativa de proteção que o Brasil poderia dar, elas regressaram.

Como é o processo de subtração? Normalmente é a mãe que foge com a criança. O pai entra com uma ação, exigindo a criança de volta. Existem duas convenções na qual o Brasil faz parte: a de Haia de 1980 e a de Montevideo de 1989. Ambas criam um mecanismo para poder trazer de volta para os países de residência as crianças que foram retiradas ou permaneceram em outro país mais tempo do que a autorização permitia. As exceções para o retorno da criança são exceções muito restritivas e a violência doméstica não é explicitamente nenhuma delas.

Que tipo de restrição? A convenção parte do pressuposto que o direito de guarda desse genitor é violado. Por exemplo, a mulher está morando fora e faz um acordo verbal de que ela pode voltar para o Brasil, mas se não tiver um acordo homologado na justiça estrangeira que prova que essa mudança foi permitida, ele pode entrar com um pedido e a criança é obrigada a retornar e não necessariamente com a mãe. A subtração é, normalmente, criminalizada em vários países, o que significa que essa mulher corre o risco de ser presa, pode perder a guarda da criança e tem autorização de residência cancelada.

Isso é um dos maiores erros da convenção? Não diria que é um dos maiores erros, necessariamente, porque, na época, eles sequer tinham a percepção de que isso viria a ser um problema tão grande. O problema é que a interpretação se manteve enrijecida. Existe uma expectativa também de que essa convenção seja aplicada de forma padronizada, de forma uniforme. É por isso que a interpretação é restritiva, justamente para evitar que o Brasil aplique de um jeito, que o Paraguai aplique de outro, que os Estados Unidos aplique de outro, que a Rússia aplique de outro. 

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Há descaso entre as autoridades? Existe. Na minha percepção, o Brasil está deslanchando à frente dos outros países, porque temos uma legislação de violência doméstica muito robusta, a Lei Maria da Penha tem toda uma estrutura do sistema brasileiro de acolhimento das vítimas que não existe fora do país. Fora do Brasil, por não existir uma legislação tão robusta de violência doméstica, há uma invisibilização da violência, como se não existisse violência fora, além do jeito que a violência é conectada às questões de família é diferente – é comum escutar que a violência não necessariamente afeta a criança.  

Por que não se fala de violência doméstica fora do Brasil? O que acontece fora do Brasil é uma subnotificação. Existe falsa sensação de que países do norte global são mais desenvolvidos, são mais igualitários, mas nem sempre é assim. Se não existe lei para regulamentar a violência doméstica, se não existe sistema que vai acolher as vítimas, que vai poder conferir os dados, todos os dados são perdidos.

Quando elas voltam para o Brasil, que tipo de suporte recebem? Elas vão estar perto da rede de apoio, elas provavelmente já tiveram uma carreira antes que possam retomar, elas falam a língua, têm um diploma que já é reconhecido, tem contatos.. É muito comum escutar que a subtração é mais violenta para a criança do que a violência doméstica, que o fato de ser um mau marido não quer dizer que seja um mau pai, que os melhores interesses da criança só vão ser garantidos se a criança retornar para o status quo. Enquanto brasileiros, nós temos uma visão ampliada de percepção da violência, que existe violência moral, violência psicológica, violência digital, violência vicária, violência patrimonial…

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Já presenciou casos de denúncias feitas fora do país? Aqui em Portugal, por exemplo, tem uma delegacia especializada no país todo e lá só trabalham homens. O registro de ocorrência é complicado, porque ninguém explica esse procedimento. No Brasil, quando se faz uma denúncia, queixa de violência doméstica pode virar uma ação penal pública, ou seja, a mulher pode até retirar a queixa, mas a ação continua. Lá fora, se a mulher não fala a língua local, se ela só fala português,  ninguém vai traduzir para ela. Em alguns países europeus, existe diferença entre a denúncia e a denúncia qualificada, basicamente, a denúncia é como se fosse um registro, ou seja, nada vai acontecer depois daquele registro. Mas ninguém explica isso para ela. 

É machismo estrutural nesses casos? Com certeza. Justamente porque a mulher é sempre desqualificada, menosprezada. É uma situação precária, de múltiplas vulnerabilidades. Tem toda uma questão estrutural que não acredita nas mulheres quando fala de violência. Se a mulher constrói provas, estava premeditando; se ela não tem provas, está mentindo.

Qual foi o pior caso que já presenciou?  Tem um que esse me choca bastante, que o pai contratou um advogado direto e esse advogado entrou com pedido liminar e não era só uma situação de violência doméstica, como era uma criança com necessidades especiais. O juiz deu liminar em cinco dias e a mãe não ficou sabendo do processo, ela simplesmente não recebeu a carta do Ministério da Justiça. Um belo dia acordou e tinha um monte de policial armado com um fuzil na porta dela e levaram os filhos dela embora. Ela não teve nem a chance de se defender.

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