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Grifes e poder: conheça a mãe do emir do Catar

Ativista da educação e dos direitos da mulher num país em que eles ainda deixam a dever, a xeica Mozah é peça valiosa nos twists da política

Por Monica Weinberg, de Doha
Atualizado em 9 Maio 2024, 19h47 - Publicado em 28 nov 2023, 12h05

Com um hijab preto delicadamente cobrindo o cabelo, mas sempre deixando um naco à mostra, concessão rara nos costumes de seu país, a xeica Mozah bint  Nasser al-Missned, 64 anos, subiu ao palco, na terça-feira 29, para brandir sua bandeira preferencial, a da educação. Depois que o marido passou em 2013 o cetro do pequeno emirado encravado na península arábica ao filho, Tamim al-Thani (hoje apertando bem à vontade mãos de todos os matizes, no papel de mediador do explosivo conflito entre Israel e Hamas), a xeica tem preferido fincar os pés sempre alojados em sapatos de grife nos bastidores. Mas para dar a partida ao 11º Wise Summit, evento de envergadura global no mundo do ensino, no qual aposta alto para pôr o Catar no mapa, ela posicionou-se com desenvoltura sob os holofotes e disparou sobre a guerra: “Privar crianças de escolas é uma violência”, disse.

Conhecida pelo figurino pinçado entre as mais caras araras, colecionadora de turbantes coloridos que a Chanel lhe faz sob medida, ela vivia circulando pelo grand monde europeu e adentrou rodas estrangeiras, ajudando seu país a tocar a estratégia do soft power. Presidente da Fundação Catar, que investiu uma fortuna plantando no antes seco terreno de Doha escolas e oito universidades americanas, entre as quais Cornell e Georgetown, Mozah também comanda a organização de raio internacional Education Above All e chegou a membro da Unesco como enviada para educação básica e superior – um percurso que a conduziu à lista das mais poderosas mulheres da Forbes. “Educação não é luxo, é essencial”, prega a xeica, que esteve no Brasil duas vezes cutucando o tema – uma com Lula, em 2010, outra com Dilma Rousseff, em 2013.

Sua trajetória é daqueles enredos cheios de twists, com reviravoltas inesperadas e tensões de elevada voltagem. Filha de um dissidente da família que reina o Catar há quase dois séculos, evaporou do país junto com a família nos anos de 1960, forçada a viver no exílio, entre Egito e Kuwait. Aos 18, retornou e (seria ironia do destino?) caiu nas graças do filho do inimigo do seu pai, o xeique Hamad bin Khalifa, que quis conceder à jovem Mozah o título de segunda mulher, uma vez que, nesta sociedade que reconhece a poligamia, já selara o matrimônio antes (uma terceira cônjuge ainda viria por aí).

Mesmo chegando em segundo lugar na lista matrimonial do então xeique, Mozah, que tem com ele 7 de seus 24 filhos, é quem o acompanha nos flashes, inclusive em agendas como a coroação de Charles, na Inglaterra, em maio deste ano. Na saga catari, viu de perto o golpe de seu marido contra o próprio pai: em 1995, Hamad era príncipe herdeiro e acumulava atribuições quando decidiu que era chegada a hora de tomar o poder, comunicando o patriarca, que passava férias na Suíça – “tudo sem derramamento de sangue”, como divulgaram à época os canais oficiais. O ora poderoso do emirado bem que tentou dar o troco, mas falhou – e assim Hamad e Mozah se acomodaram no trono.

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Pois a nação que viveu da pesca até se descobrir deitada sob generosas reservas de petróleo e gás protagonizaria ainda um capítulo eletrizante, do qual Mozah teria papel decisivo. Em 2003, seu marido abdicou do posto alegando problemas de saúde, e um folhetim se desenrolou neste pedaço do Oriente Médio pela futura sucessão em uma das monarquias mais ricas do planeta.

A trama havia começado antes. Ao assumir o poder, Hamad fez o que devia: alçou o primogênito, filho de sua primeira união, a príncipe herdeiro. Eis que, depois de um ano, ele seria substituído não pelo segundo, mas pelo terceiro rebento do monarca – este, sim, de Mozah. Circula nas rodas cataris que ela teria tratado de carbonizar a biografia de ambos, dizendo que o primeiro era extremista religioso e que o outro planejava um golpe contra o pai. Em mais um capítulo inesperado, após ocupar a cadeira por sete anos, o mais velho da xeica, porém, desistiu da trilha real, que enfim caiu no colo de Tamim, aos 23 anos.

Uma década depois de casada, a xeica formou-se em sociologia, fez mestrado em políticas públicas e, em sua fundação, aplica uma espécie de cota em que pelo menos metade dos quadros precisa vir da ala feminina. Também encorajou, em 2021, mulheres a concorrer nas eleições legislativas – eram 28 de 284 candidatas. Nenhuma foi eleita, o que não é surpresa num país cuja maioria da população faz leitura fundamentalista do Corão e homossexualidade, por exemplo, é vetada e punida com três anos de prisão. Sob o comando da xeica no Supremo Conselho para Assuntos da Família, o órgão implementou, em 2006, o código da família, que autoriza a poligamia e estabelece que a mulher deve obediência ao marido – cultura em que é o homem que decide se a cônjuge pode viajar e, também ele, tem direito a ficar com os filhos quando há divórcio.

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A xeica cultiva lá seus mimos, como a compra de três propriedades uma do lado da outra, em Londres, com a intenção de convertê-las em uma super-mansão de 10.000  metros quadrados. O objetivo final seria uma planta com 17 quartos e 14 salas. Antes, certamente que ela vibrou quando a família arrematou a grife italiana Valentino, seguida da aquisição da francesa Balmain. “Moda é meu deleite”, disse à Vogue a dona de um guarda-roupas que rompeu com a sisudez das peças pretas. “Quando ela usa uma certa cor, no dia seguinte todas nós estamos copiando, sob sua inspiração”, conta Sara Youssef, ex-aluna da Northwestern University, erguida em Doha por empenho de Mozah, próxima a três estádios que abrigaram a Copa do Mundo de 2022 e vizinha ao pavilhão em que ela inaugurou seu evento da educação. Ponto para a xeica, que ainda tem muito chão a caminhar nestas bandas do Oriente.

 

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