Diretora explica por que deixou as ex de Adriano Imperador fora de série
Susanna Lira fala a VEJA como o mergulho na masculinidade do futebol melhorou seu feminismo
Estreia nesta quinta-feira, 21, a aguardada série documental Adriano, Imperador, no streaming da Paramount+. Sob direção de Susanna Lira (que também assinou série sobre outro ex-jogador, Casagrande, na Globoplay), a nova produção relembra a trajetória de vida de uma das lendas do futebol brasileiro através de fatos marcantes, narrados pelo próprio atleta. Em conversa com a coluna, Susanna fala sobre este mergulho na masculinidade do futebol, que diz ter melhorado seu feminismo. Ela tem outra série a ser lançada, Não foi minha culpa, dia 10 de agosto no Star Plus, ficção sobre feminicídios. A seguir, o bate-papo:
Este é o seu segundo projeto sobre jogador com histórias polêmicas. O que há de relação entre Casagrande e Adriano? São dois homens icônicos e antagônicos, de personalidades diferentes. Vieram de periferias, viraram arrimo de família. Adriano é mais introspectivo, Casagrande coloca para fora mais facilmente tudo que sente. Eles se mostram vulneráveis, isso para o futebol é inadmissível. Eles encontram na vulnerabilidade sua força. E isso é muito feminino! Eles se encontram consigo mesmos quando mostram que não estão bem, quando se expõem. Adriano chorou em todas as entrevistas que gravei com ele. Imagina, um homem forte, gigante, chorando… De forma geral, o homem está perdido nesse lugar que querem que ele ocupe, a sociedade está doente. O homem não consegue exercer isso no lugar que é endeusado.
Futebol é um meio bastante masculinizado. O que você traz de novo com seu olhar feminino como diretora? Foi um presente como mulher, como documentarista de vários filmes com protagonismo feminino. É um mergulho no mundo masculino, que me dá uma grande compreensão até para poder melhorar meu feminismo. Ao olhar aquele homem, a ebulição que ele sofre, consigo ser uma feminista melhor. Futebol é um fenômeno que te eleva e te joga no fundo do poço. É um nível de pressão e julgamento jamais experimentado por nenhuma outra profissão. Os torcedores são muito cruéis.
Adriano te deu liberdade para falar de drogas e álcool? Teve algum assunto que ele pediu para não entrar? Não sou repórter investigativa, mas como documentarista, consegui traduzir o Adriano para o mundo. Falamos de todas as polêmicas dele, não teve nada que ele impediu. Faço cinema muito politizado, não tive esse medo de romantizar, quis mergulhar nessas suas contradições profundamente, entrar mesmo na psiquê do Adriano.
E o suposto envolvimento com traficantes da favela da Vila Cruzeiro, no Rio? Está explícito no filme. Adriano não tem que ser analisado, tem que ser compreendido, assim como todos esses jogadores que saem dos lugares que saem e se tornam ícones mundiais. É uma alerta também sobre a saúde mental do atleta e mergulho profundo na sua intimidade.
Por que deixou de fora os relacionamentos amorosos dele? Quis priorizar as mães e a relação com os três filhos. Elas (as ex-namoradas) não quiseram falar por outros motivos. Então nem toco muito isso. Não quis fazer uma série apelativa com escândalos sexuais ou sobre com quem ele transa. Tratei desse menino que abre mão de milhões de euros para voltar a se relacionar com suas raízes na comunidade. Como dizem as tias dele, Adriano ainda é um homem em busca de grande amor.
O que mais te chamou atenção nessas relações familiares? Conversei bastante com a família toda, as tias, os amigos da Vila Cruzeiro… Falar dele é falar desse Brasil profundo. É revelador perceber o futebol quase como algo religioso e transcendental. Adriano é de uma família evangélica, onde mulheres jogavam futebol. As tias jogavam e ele, ainda criança, gritava para a mãe fazer gol. É uma família que vive o futebol de outra forma.