Crítico à decisão americana, Gerald Thomas defende clínicas de aborto
Diretor de ‘F.E.T.O. (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada)’, que estreia no Sesc São Paulo, fala com exclusividade a VEJA
Espetáculo livremente inspirado em Doroteia, de Nelson Rodrigues, e tendo como cruzamento o trabalho de Marcel Duchamp O Nu Descendo a Escada e a obra No Vento e na Terra I, de Iberê Camargo, o diretor Gerald Thomas monta em São Paulo a peça F.E.T.O. (Estudo de Doroteia Nua Descendo a Escada), com previsão de estreia para 28 de julho. Em um bate-papo com a coluna por zoom, diretor fala da atualidade genial de Nelson Rodrigues para ironizar e satirizar os desvios comportamentais da sociedade.
“Não sou pretensioso o bastante para decompor Nelson, ele é gigantesco. Admiro demais. Me concentro em Doroteia desde 1986, quando tive Beth Goulart no elenco. A peça, aliás, foi escrita para a avó dela, mas a família negou. É uma fixação que dura quase quarenta anos. Olha como é atual. Nelson lida com aborto muito antes de uma época em que a Suprema Corte americana reverteu uma decisão consolidada. Os Estados Unidos deram vinte mil passos para trás agora. Sou cidadão americano, me sinto envergonhado por isso”.
É esse assunto que o deixa irritado. Gerald muda o tom de voz, quase sempre sereno, para expressar sua indignação. “Isso é resultado desses juízes que Donald Trump conseguiu colocar lá dentro. Essa politicagem é terrível. Agora tem outro juiz conservador querendo rever os direitos dos gays. É terrível, terrível… Sou alarmista, o Estado não tem que ditar nada, a mulher tem o direito de fazer o que quiser com seu corpo. Aqui ó pro Estado (ele levanta o dedo médio), vai tomar no c*, vai para put* que pariu! Clínicas de aborto são um ganho. Eu fervo, a tampa explode! E não é a Tampa, cidade da Flórida, é tampa da minha cabeça…”.
Ao voltar para o dramaturgo brasileiro, foco de seu trabalho mais atual, Gerald diz que seria impossível encená-lo nos Estados Unidos nesse contexto de adversidades. “Se você levar Nelson para Oklahoma, interior do Texas, por exemplo, é a vanguarda até hoje. Se monta uma peça dele na Suprema Corte Americana, vai ser uma gritaria só. No fundo, todos esses juízes são punheteiros, consumidores de escat, sexo escatológico. Ficam mijando e cagando uns na boca dos outros. Quem reprime são os piores”, afirma.
Já a respeito da política brasileira, ele prefere não dar muitos palpites. Mostra-se desapontado, mas sem tomar um partido. Faltam-lhe palavras. “Te confesso, não me envolvo, porque não voto no Brasil. Nunca tive muito respeito, é horrível falar isso, por nenhum dos de Brasília. Eu não consigo nem olhar pro Congresso. É um bando de… Nossa, desculpe, não vou nem falar o que penso. Não tem adjetivos. É corrupção, conchavos, falta de educação. Conchavos podem ser feitos com cinco talhes, em nível diplomático, ou numa barraquinha de pamonha…”
Aos 68 anos, ele diz não sentir o peso da idade. Faz de tudo para controlar as ações visíveis do tempo. “Pinto cabelo, fico com cara de roqueiro, tipo Mick Jagger. Poso de pau duro no blog… Posei até dois anos atrás de pau duro, continuo ereto. Posso posar de novo se quiser. Malho, fico fazendo exercícios. Nado vinte vezes na piscina, ando de caiaque, não como carboidrato, controlo as duas mil calorias por dia. Sai tudo no cocô, é uma bobagem”.
Há um ano veio à tona seu problema financeiro, que estava quase lhe custando o apartamento que mora em nova York. Estava prestes a ser despejado. Vendeu algumas de suas obras e arrecadou 80 mil dólares. Mas o problema, aliás, persiste. “Eu ainda estou sob fase de despejo. Luto na Justiça ainda, ganhando tempo. Já tive apartamento na Suíça, Nova York e Londres. É angustiante, além disso até, chega a ser irônico. Esse dinheiro pagou seis meses do meu aluguel, de janeiro a setembro do ano passado. A partir de outubro começou tudo de novo. Estou ralando para chegar lá”, diz.