Caco Ciocler: ‘Esse governo de ultradireita não é a tradução de Israel’
Judeu, ator fala a VEJA de seu novo filme, ‘As Polacas’, e comenta guerra entre israelenses e palestinos
Um dos destaques do filme As Polacas, exibido recentemente no Festival do Rio e que estreia na Mostra de Cinema de São Paulo, Caco Ciocler, 52 anos, interpreta Tzvi, dono de um bordel envolvido com tráfico de mulheres. O longa, com a direção de João Jardim, conta a história de uma mãe polonesa judia, que chega ao Brasil com o filho Joseph e se torna alvo de Tzvi. Em meio ao resgate dessa página histórica pouco debatida abertamente, Caco também conversa no programa da coluna desta semana sobre a situação da guerra em Israel. Judeu, o ator esclarece seu posicionamento. Assista.
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TRÁFICO DE MULHERES. “Esse é um assunto que eu, como sou da comunidade judaica, sempre ouço falar. Mas sei que é pouco falado, há muito incômodo, por ser história verídica. Existia uma organização internacional de tráfico de mulheres judias, as chamadas ‘polacas’. Essa rede ia para a Europa ocidental, em aldeias muito empobrecidas, desgastadas com a guerra, e cooptava mulheres sem futuro, que estavam passando fome, com promessas de casamento. E aí quando chegavam aqui, eram obrigadas a se prostituir em bordéis especializados. É disso que o filme fala.”
HISTÓRIA TABU. “No judaísmo tradicional a prostituição é um pecado. Elas eram renegadas na própria comunidade e proibidas de ser enterradas. Houve uma sociedade, chamada Sociedade da Verdade, um movimento feminista organizado, que conseguiu a autorização de um cemitério para que elas fossem enterradas. Essa história é um tabu na comunidade judaica.”
PLURALIDADE. “E por que falar disso sobre uma comunidade como a judaica, que já é tão atacada? É importante falar da pluralidade. Até para que entendam que não dá para falar de qualquer comunidade como uma massa uniforme, com um mesmo pensamento. Isso é a base da discriminação. A melhor maneira de lidar, inclusive com o preconceito, é mostrar a pluralidade que todas as comunidades têm.”
ARTE DIANTE DA GUERRA. “Não está fácil. Primeiro porque existe uma exigência que a gente se coloque. E acho que tem que ocorrer. Por outro lado, está cada vez mais difícil se posicionar nas redes sociais. Cheguei à conclusão de que as redes não são um lugar de discussão verdadeira, é um lugar de lacração. A gente vive numa linguagem binária: ou se é isso ou aquilo, não há cinza, subtons, possibilidades. Estou assustado. (…) A arte nasce nas frestas da certeza. Ela não serve para dar respostas. A função é expor as rachaduras da certeza, possibilita investigações, fazer perguntas.”
TERRORISMO DO HAMAS. “É uma questão extremamente complexa. Mas existem coisas inegociáveis. A morte de civis inocentes é inegociável. É inegociável que não se condene o ataque do Hamas. Condenar o ataque do Hamas não significa não condenar políticas do governo israelense impostas sobre a comunidade palestina. Não estou comparando as duas coisas. É preciso que se fique bem claro que o Hamas não são os palestinos. O que o Hamas quer não é a criação de dois Estados, mas a extinção de Israel. Não dá para negociar com esse grupo.”
ULTRADIREITA EM ISRAEL. “Esse governo de ultradireita de Israel não é a tradução de Israel. Israel é um país plural, as pessoas estão divididas, internamente existe resistência a esse governo de ultradireita, que não representa a pluralidade do povo judeu. Eu, como humanista, sou a favor dos judeus, sou a favor dos palestinos, sou a favor dos mulçumanos, sou a favor dos israelenses. A gente tem que buscar uma solução pacífica.”
SOLUÇÃO PARA A GUERRA. “Tenho parentes, amigos lá, está todo mundo em choque. Fui para Israel adolescente e quando fiz um documentário. (…) Qual seria a solução (para a guerra)? Eu tenho: a criação de dois Estados, em que ambas as partes fiquem satisfeitas. Dois estados reconhecidos internacionalmente e que se respeitam. Se tem na cartilha do Hamas a premissa da não aceitação do Estado de Israel, não há como negociar com o Hamas. Se tem dentro de Israel setores também extremistas que, por questão religiosa, acham que tudo pertence a Israel, não tem como negociar com essas pessoas. Para acontecer (a paz), na minha opinião, é: sai Hamas ou troca a carta e passa a aceitar a existência de Israel. E Israel: sai o governo de ultradireita. A paz é a grande vitória. E só se consegue isso se um reconhece o direito do outro.”
O programa Veja Gente é gravado em cenário desenvolvido pelo arquiteto João Amand e pela designer de interiores Sophia Abraham, com patrocínio da House Us.