A polêmica convivência de papa Francisco com presidiários e prostitutas
Histórias fazem parte de 'Esperança', autobiografia publicada em 2025

A postura acolhedora de papa Francisco, que morreu nesta segunda-feira, 21, aos 88 anos, com aqueles considerados excluídos vem desde a infância em Buenos Aires. Na autobiografia Esperança – primeira publicada por um papa – que chegou às livrarias brasileiras em fevereiro, Francisco conta que, quando criança, o bairro de Flores, no qual cresceu, era “um caleidoscópio de etnias, religiões e profissões”, um “microcosmo complexo, multiétnico, multirreligioso e multicultural”. Na região, coexistiam imigrantes de diversas nacionalidades e pelo menos quatro de suas vizinhas eram prostitutas. Uma delas, conhecida como Porota, procurou-o quando ele já era bispo auxiliar da capital argentina.
“‘Ei, você não se lembra? Eu soube que virou bispo, quero te ver!’. Continuava um rio transbordante. Venha, respondi, e a recebi no bispado. Ainda vivia em Flores, era por volta de 1993. ‘Sabe’, ela me confidenciou, ‘fui prostituta por tudo que é canto, até nos Estados Unidos. Ganhei bem, depois me apaixonei por um homem mais velho, que acabou se tornando meu amante. Quando ele morreu, mudei de vida. Agora estou aposentada. Vou dar banho nos velhinhos e nas velhinhas das casas de repouso que não têm ninguém que cuide deles. Não frequento muito a missa e com meu corpo fiz de tudo, mas agora quero cuidar dos corpos que não interessam a ninguém’. Uma Madalena contemporânea”, relata no livro.
Francisco conta ainda que, anos mais tarde, quando ele já era cardeal, Porota a procurou novamente, pedindo que ele fosse rezar uma missa para ela e suas amigas. Eram todas ex-prostitutas e atuais prostitutas. “E queriam se confessar. Foi uma celebração lindíssima. Porota estava contente, quase comovida”, conta. O então cardeal seria próximo dela até o fim da vida. Foi ele quem foi dar a unção dos enfermos a ela, quando estava hospitalizada, poucos dias antes de morrer.
Além de Porota, Francisco também foi amigo de presidiários. Quando cursava química na Escuela Técnica Especializada en Industrias Químicas Nº 12, nos anos 1950, um de seus 13 colegas acabou sendo preso. Filho de um policial, ele pegou a arma do pai e matou um jovem do bairro. “Ele foi detido na seção penal de um manicômio, e eu quis visitá-lo. Foi a minha primeira experiência em uma prisão. Pude cumprimentar meu amigo apenas de uma janelinha minúscula, do tamanho de um selo, cortada em quatro por uma grade e emoldurada por uma pesada porta de ferro. Foi terrível, fiquei profundamente abalado”. O amigo acabou se matando tempos depois, aos 24 anos.