A pergunta que historiadora, irmã de Adriana Esteves, desvenda em livro
Em conversa com VEJA, Marcia Esteves Agostinho explica sua obra ‘Por que casamos?’
A professora e pesquisadora Marcia Esteves Agostinho, doutoranda em História pela Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, apresenta múltiplas perspectivas sobre o matrimônio em seu recém-lançado livro Por que casamos? Sexo e amor na vida a dois (ed. Almedina Brasil). Em conversa com a coluna, Marcia, que é casada e mãe de dois filhos (um de 25 anos e uma de 23), fala dos desafios que casais assumem nesse tipo de compromisso, como o da fidelidade. Semelhante fisicamente com a irmã, a atriz Adriana Esteves, ela ainda comenta quando precisou “passar pela sua sósia” num curso de inglês.
A vida a dois está com os dias contados? Nunca! Nós humanos não funcionamos bem sozinhos. Alguma forma de arranjo “a dois” sempre existirá.
No livro você tenta responder à pergunta do título. Afinal, por que casamos? A resposta mais simples é aquela que vem da ciência da complexidade: Humanos se unem porque esse é um comportamento adaptativo. A união de dois adultos com habilidades complementares favorece a sobrevivência da prole. Dito de outra forma, o casamento faz bem para os indivíduos e para a espécie. Há, porém, várias respostas para as perguntas mais complicadas. “Por que nós dois nos casamos?”; “Por que nossos pais se casaram?”; “Por que nossos filhos têm medo de casarem?”… O livro oferece caminhos para o leitor encontrar suas próprias respostas.
Do lado histórico, quando a humanidade passou a entender o casamento como um momento importante? O casamento pode ser visto como evolução do acasalamento na espécie humana. Neste sentido, ele emergiu como resposta às pressões da vida em ambientes cada vez mais complexos. Hoje a gente pode até pensar o casamento como um “momento” ou um “rito de passagem”. Mas ao longo da história humana o casamento era principalmente um fato da vida. Todas as grandes tradições elaboraram normas de conduta em torno deste fenômeno. Afinal, ele é crucial tanto para a sobrevivência quanto para a reprodução cultural das sociedades. Nós modernos, contudo, entendemos tradição como opressão. De fato, seguir a tradição restringe nossa liberdade individual. Daí vem o dilema atual. No discurso, somos contra a instituição do casamento. Mas na prática, continuamos sonhando em encontrar alguém para compartilhar a vida.
A monogamia é uma prática cada vez mais criticada por sexólogos e defendida pelos mais conservadores. Por que este tema ainda é um tabu na sociedade? Tenho dado muitas entrevistas e me surpreendo com a frequência com que colocam a monogamia como polêmica. Afinal, a alternativa à união monogâmica é a poligamia. Não consigo imaginar homens e, principalmente, mulheres ocidentais defendendo o que tanto criticam com relação aos costumes orientais. Daí me dei conta de que o que é polêmico ou tabu é a infidelidade. Este sim é o tema difícil de se falar. No livro dedico um capítulo inteiro à infidelidade. Ali discuto sem meias-palavras os impulsos e as dores que envolvem a traição ao compromisso conjugal.
Casamento e religião ainda seguem indissociáveis? Casamento e religião são fenômenos intrinsecamente humanos. Mas não creio que sejam indissociáveis. Nas últimas décadas, ao mesmo tempo que cresce o número de casamentos, aumenta a parcela da população que se declara “sem religião”. As estatísticas mostram que casar é mais do que uma imposição religiosa.
A ficção muitas vezes aborda os dilemas da vida a dois e reflete experiências cotidianas. Sua irmã, Adriana Esteves, está no ar com uma série de sucesso, Os outros, que fala sobre os conflitos familiares. Como você analisa esta série, sob o ponto de vista do seu livro? Esta é uma ótima ideia para um artigo! A série Os outros tem muito material para análise. O que posso adiantar é que meu livro aborda muitas das questões que estão na base dos conflitos mostrados na tela. A arte tem a função de nos despertar. De fato, a espiral de violência ou a decoração dos apartamentos podem parecer irreais para espectadores de classe média. Mas essas são escolhas estéticas que nos ajudam a acordar para situações que podem estar à nossa porta. Um livro de não-ficção como o meu tem a função complementar de fornecer conhecimentos para pensar criticamente situações como aquelas. É uma bela dobradinha: a arte despertando, a ciência elaborando.
Vocês se parecem muito fisicamente. Já foram confundidas na rua? É verdade, especialmente quando o corte de cabelo coincide. Mas nunca chegamos a ser confundidas. Desde cedo, frequentamos ambientes diferentes. Ainda na adolescência, Adriana optou pela carreira artística e eu, pela acadêmica. Mundos muitos distintos. Nosso espaço de convívio acaba sendo apenas a família. Mas mesmo aí nossa semelhança é visível. Minha mãe gosta de contar a história da foto da Adriana na minha carteirinha. Nós tínhamos entre 10 e 12 anos e, naquele tempo, precisávamos ir a um fotógrafo profissional para tirar fotos 3×4 para os documentos. Foi quando, para fazer a matrícula no curso de inglês, eu precisei uma foto no mesmo dia. Não dava tempo. A solução foi pegar uma da minha irmã. O resultado foi que usei aquela carteirinha por quatro anos e ninguém nunca reparou que não era eu na fotografia.