‘A gente vem passando pela decadência na qualidade do chocolate no Brasil’
Diretor industrial da Lugano, Francisco Marcon fala à coluna GENTE sobre cenário desafiador, em meio à alta do cacau no mercado internacional

Desde que as fortes chuvas de maio de 2024 afetaram o sul do país, com destaque para o Rio Grande do Sul, várias empresas locais precisaram se reinventar para não sucumbir. A Lugano, marca de chocolates tradicional de Gramado, na Serra Gaúcha, chega a esta Páscoa com altos planos de recuperação dos prejuízos recentes. O diretor industrial Francisco Marcon conversou com a coluna GENTE sobre o cenário desafiador, em meio à alta do preço do cacau no mercado internacional.
Como a alta do preço do cacau tem afetado a empresa? A gente vem passando há anos por uma decadência na qualidade do chocolate no Brasil em função da alta do cacau, vamos falar aí de 24 meses nessa luta. A Lugano vem na contramão. A nossa receita vem de 49 anos de história… É até uma conversa que a gente tem internamente muito forte. Porque é tentador falar em baixar o percentual de cacau nesse momento com a alta que está, mas não abriremos mão da nossa receita.
Por que nos últimos dois anos? Nos últimos dois anos a gente teve uma alta expressiva do cacau. Cacau é uma commodity balizada pela bolsa de Nova York. A gente saiu de uma precificação de 2.500 dólares a tonelada, e chegou a 12.500, 13.000 dólares. Com essa alta, automaticamente as empresas reduziram o percentual de cacau das receitas para minimizar o impacto. O açúcar é barato, o leite em pó tem um certo controle na precificação… Isso no mundo todo. A qualidade vem caindo a nível mundial.
O aquecimento global afeta o cenário? Não, a plantação obviamente, mas o consumo de chocolate vem em uma crescente. A alta do cacau se deu em função, em parte, pelo anúncio de safras ruins, de pouca produção na África, mas muito por lobby, lobby político, lobby de agricultura…
Parecido com o que acontece atualmente com o preço do café? É muito similar. A agricultura do cacau é muito pobre, originalmente. E foi justo ela ter certa alta. A gente defende isso, porque se o agricultor não é remunerado de forma decente, a qualidade do fruto vai caindo, ele não vai querer investir na agricultura. Com essa alta, teve a valorização. Porém, extrapolou, foi a 400% de aumento. O consumidor hoje está sofrendo e reduzindo seu consumo, porque o preço subiu. A gente tinha um chocolate de 10 reais, ele partiu do dia para a noite para 30 reais. E aí, como forma de tribular esse aumento, algumas empresas optaram pela redução do percentual de cacau, ingrediente caro dentro dessa receita. Além disso, troca a gordura, que é a manteiga do cacau, a gordura mais pura na formulação de chocolate, por gorduras hidrogenadas, fracionadas, que nosso corpo nem consegue expelir de forma 100%.
O que a empresa fez? A Lugano se posicionou no mercado dizendo “não, a gente vai encontrar outras formas de driblar esse aumento, sem abrir mão da qualidade da nossa história”. É muita luta, né. A gente reformulou nossa linha, em torno de 60%, 70% nos últimos 12 meses, com alternativas.
Teve uma baixa nas vendas? Teve impacto de consumo, sim. Apesar disso, a gente como rede vem crescendo ainda. Essa páscoa teremos crescimento de próximo a 15% em volume de venda. Lugano hoje está presente em todos os estados do Brasil. São 150 lojas em operação e várias aberturas previstas para esse ano, já negociadas.
Em relação ao impacto das enchentes no estado em maio de 2024, Gramado também sofreu muito, sendo destino turístico. Como foi para Lugano? A Lugano se divide em três linhas comerciais. A gente tem a parte de franquias, a nível Brasil, que não teve impacto. A nível Brasil estava tudo rodando, só Rio Grande do Sul parou. Nas lojas próprias, a gente sentiu, perdeu 60% do faturamento local, uma importância grande. E a nossa outra linha é exportação, hoje a gente está presente nos Estados Unidos e Canadá com produtos Lugano. E ano passado foi um ano excepcional na exportação. A gente exportou, em 2024, 25 contêineres, foram 60 toneladas só de alfajor e mais de 10 milhões de trufas. Esse ano a gente vai bater 25 milhões de trufas exportadas, quase 120 toneladas de alfajores, é uma crescente na exportação, uma forma que a gente encontrou de diversificar e conseguir manter competitividade.
Em relação à Páscoa, quais são as projeções? A gente fala em torno de 80 toneladas de produtos. São mais de 200 mil ovos de Páscoa. O pistache continua tendo uma aceitação de mercado muito boa. Segue a moda do pistache. Além disso, o cacau, pela alta do preço, passou a ser uma joia. Então a gente trouxe essa evidência para dentro da linha com um ovo foleado a ouro. É um ouro comestível embalado num chocolate 70%, numa embalagem toda personalizada.