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Este é um espaço dedicado às séries e minisséries produzidas para a televisão. Traz informações, comentários e curiosidades sobre produções de todas as épocas.
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As 10 melhores séries de 2016

Lista das séries que se destacaram entre as boas produções do ano.

Por Fernanda Furquim Atualizado em 4 jun 2024, 18h07 - Publicado em 28 dez 2016, 17h54
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Mais um ano está chegando ao fim, o que leva diversos sites e blogs a publicar retrospectivas ou a divulgar suas listas de melhores disso ou daquilo. Como venho fazendo desde o início deste blog, publico aqui a lista com as séries que, em minha opinião, foram as melhores de 2016.

Esta lista é dividida em duas partes. A primeira são as dez séries que atingiram um alto nível de qualidade. Minha avaliação leva em consideração a proposta e o desenvolvimento de personagens e situações. A segunda parte é composta das produções que, de alguma forma, se destacaram entre as boas séries do ano, fazendo com que valesse a pena assiti-las.

Para aqueles que ainda não conhecem meu trabalho (e minhas listas), informo que não valorizo as séries pelo nível de sua audiência/popularidade ou pela quantidade de prêmios/indicações que recebem. Também não valorizo uma produção por seu orçamento ou pelos nomes dos profissionais envolvidos. Meu interesse em listar as melhores séries a cada ano é o de reconhecer o trabalho daqueles que atingiram o potencial de uma produção, tendo como referência seu conteúdo e não os interesses da audiência ou do mercado.

Portando, esta lista é o resultado da minha opinião do que é uma boa série. Quem tiver interesse de deixar nos comentários sua própria lista, fique à vontade.

Quem tiver interesse em conferir minhas listas anteriores basta entrar nestes links: 2015, 2014, 2013, 2012, 2011 e 2010.

Aden Young em 'Rectify' (Foto: James Minchin/Sundance TV)
Aden Young em ‘Rectify’ (Foto: James Minchin/Sundance TV) ()
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1 – Rectify – 4ªT – Drama – Estados Unidos

Mantendo sua linha narrativa, a qual dá mais valor aos personagens e seus movimentos internos que à uma história cheia de reviravoltas e ação, a série Rectify chega ao fim sem ter perdido sua qualidade, alcançando com isso o status de uma das melhores séries americanas já produzidas.

A série apresenta a trajetória de Daniel Holden (Aden Young), um homem condenado à morte pelo estupro e assassinato de sua namorada. Depois de passar quase duas décadas no corredor da morte, ele é liberado graças às novas evidências de DNA. Por ter passado muito tempo no isolamento, Daniel, agora condenado à vida, sente dificuldades de se readaptar à sociedade e à sua família.

Ao longo das temporadas, a produção mostra como a vida em sociedade também retrata uma prisão. Apesar de ter saído da cadeia, Daniel continua agindo como um prisioneiro, que recebe ordens, obedece regras e evita criar problemas, sem ter de fato controle sobre sua vida ou seu destino. Mesmo percebendo sua atual realidade, suas opiniões e desejos continuam sendo submetidos à avaliação e aprovação de terceiros. A situação e o ambiente em que vive o levam a sofrer momentos de revolta, depressão e frustração, bem como momentos em que consegue se elevar e contemplar a vida como algo que vai além dos problemas que o cercam.

Em sua quarta e última temporada, a série volta ao início, fechando um ciclo da vida de Daniel e sua família. Os episódios exploram mais a fundo as consequências psicológicas e emocionais que a prisão provocou em Daniel e em seus familiares. Mas é aqui que ele começa a verbalizar suas lembranças e sentimentos mais íntimos, bem como a se permitir a se relacionar (mesmo que superficialmente) com outros. Vemos o quanto Daniel deseja se integrar socialmente, mas a experiência que viveu o impede de alcançar este objetivo. As cicatrizes são muito profundas e deixaram marcas que ele mesmo desconhece. A cada passo que dá em direção à reintegração surge um novo desafio pessoal a ser vencido. Conhecer Chloe (Caitlin FitzGerald), uma artista plástica que está de partida, permite a Daniel momentos de liberdade; momentos em que é possível pensar, falar e agir sem se preocupar com avaliações ou consequências.

A atual situação de Daniel reflete o período em que ele esteve preso. Se antes estava confinado a uma cela, afastado da família, agora ele está exilado em Nashville e proibido de voltar à sua cidade natal, onde sua família mora. Daniel vive em uma casa por onde passam outros ex-condenados, seguindo regras e obrigações; e trabalha em um depósito, onde a rotina é monótona e solitária.

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Chloe exerce aqui a mesma função de Kerwin (Johnny Ray Gill), seu amigo no corredor da morte, visto na primeira e segunda temporada. Tal como Kerwin, ela é alguém capaz de desafiar Daniel a expor sua personalidade; e tal como Kerwin, ela se torna uma personagem de seus sonhos e imaginação, recurso que Daniel volta a utilizar para escapar de sua realidade.

Para a família de Daniel, a temporada representa sua libertação do passado, dos sentimentos reprimidos, das ideias e dos desejos não expressos. Desde a prisão de Daniel, sua família aprendeu a não se perder na emoção, mantendo seu foco no objetivo de tirá-lo da cadeia. Com isso, evitaram discussões e não expressaram sentimentos que poderiam magoar o próximo. A quarta temporada permitiu a cada um deles, sem atropelos ou agressões, expressar suas opiniões e desejos, o que os leva a alcançar um estado de harmonia que até agora não existia. A decisão final da promotoria em relação ao caso de Daniel encerra um ciclo de vinte anos, mas também dá à família um novo objetivo em torno do qual poderá se unir.

Em quatro temporadas, os personagens percorreram uma longa, delicada e minuciosa trajetória emocional, restrita ao movimento interno de cada um, provando que uma série, para ser boa, não necessita ter cenas de ação mirabolantes ou um roteiro repleto de reviravoltas visando surpreender o público. Séries são personagens conduzindo uma história.

Judith Light em 'Transparent' (Foto: Amazon Studios/Divulgação)
Judith Light em ‘Transparent’ (Foto: Amazon Studios/Divulgação) ()

2 – Transparent – 3ªT – Dramédia – Estados Unidos

A série que estabeleceu o Amazon junto à crítica amadurece a cada temporada tornando-se uma produção essencial para todos que desejam acompanhar o mundo dos seriados.

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Em Transparent, a história acompanha a vida de Mort (Jeffrey Tambor) que, ao chegar na terceira idade, assume a identidade de Maura, uma transexual. A série não se restringe a apresentar a vida de Maura e as dificuldades que ela enfrenta, tanto pessoais quanto sociais; ela também apresenta a vida e os problemas enfrentados por seus filhos e sua ex-esposa.

A terceira temporada dá maior destaque a Shelly (Judith Light), a ex-esposa de Mort que, até agora, vinha sendo apresentada como um elemento cômico na trama. Seguindo a mesma narrativa das duas temporadas anteriores, a terceira é dividida em duas épocas: o presente e o passado, período em que Mort conhece e se envolve com Shelly, com quem se casa e tem três filhos. Os novos episódios nos dão oportunidade de conhecer um pouco da trajetória de Shelly, o que nos permite compreender melhor sua atitude nos anos em que foi casada com Mort, bem como sua postura atual.

Shelly é uma mulher batalhadora, inteligente, que não tem medo do presente ou do futuro, mantendo sempre um olhar positivo sobre sua vida e recusando-se a se render à depressão. Porém, é uma mulher extremamente carente, que praticamente viveu sozinha ao longo de todos estes anos, apesar de contar com a presença de um marido e de três filhos.

O trauma de perder um marido que nunca teve a leva a se agarrar ainda mais à sua própria personalidade. Decidida a se tornar a melhor amiga de Maura e de seus três filhos, ela não compreende a razão pela qual eles não a vêem como tal. É Shelly quem melhor compreende as dificuldades emocionais que o ex-marido e os filhos estão passando; é ela quem demonstra um profundo respeito pela individualidade de cada um a ponto de aceitá-los como eles são. Mas em troca ela deseja ser respeitada, compreendida e, principalmente, incluída na família que a trata com desdém; uma pessoa com atitudes ridículas a quem não se deve levar a sério.

O último episódio da temporada lhe dá a oportunidade de expressar seus sentimentos e definir sua posição perante a família, que parece vê-la pela primeira vez.

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(E-D) Steve Buscemi e Louis C.K. em 'Horace and Pete' (Foto: louisck.net/Divulgação)
(E-D) Steve Buscemi e Louis C.K. em ‘Horace and Pete’ (Foto: louisck.net/Divulgação) ()

3 – Horace and Pete – Minissérie – Drama – Estados Unidos

Esta foi a grande surpresa do ano, não apenas pela forma como foi produzida, mas também por sua qualidade. A minissérie é uma produção 100% independente e experimental criada, dirigida, estrelada, produzida e financiada por Louis C.K., que a disponibilizou em seu site oficial com venda direta para o público de qualquer parte do mundo.

Horace and Pete tem a estética de uma peça de teatro de baixo orçamento que, apesar de ser um drama, resgata a era de ouro das topical sitcoms americanas da década de 1970. Tratando de temas polêmicos de forma aberta e sincera, e dando voz a ideologias opostas (cada uma expondo pontos de vista sobre a sociedade em que vive), a minissérie é o retrato de uma nação doente, que está lentamente perdendo a sanidade; uma nação profundamente dividida por opiniões e sentimentos, como o medo de abrir mão de suas tradições para abraçar um mundo novo.

A história é situada em um centenário bar irlandês em um bairro de baixa renda de Nova Iorque. Por tradição, o bar deve ser sempre comandado por um Horace e um Pete. Quando a minissérie tem início, o local está sob o comando da sétima geração de Horace (Louis) e de Pete (Steve Buscemi). No bar também trabalha o tio Pete (Alan Alda), representante sobrevivente da sexta geração.

O sonho de Horace é o de modernizar o bar, trazendo-o para o Século XXI. Mas, sendo um sujeito inseguro que tem dificuldades de tomar decisões, tanto pessoais quanto profissionais, ele acaba sempre escolhendo a alternativa mais fácil, estagnando sua vida. Enquanto isso, Pete é o sujeito com quem todos podem contar. Ponderado, atencioso e humilde, Pete luta para controlar sua sanidade. Sofrendo de problemas psicológicos, ele depende de remédios para manter seu equilíbrio mental. Já tio Pete é um sujeito ultra-conservador que acredita que as tradições estão acima de qualquer desejo ou sonho. Por esta razão, ele controla Horace e Pete com rédeas curtas, lembrando-os constantemente sobre seus ‘deveres’ para com o passado, impedindo-os de construir um futuro próprio.

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Ao longo dos dez episódios produzidos, o público acompanha a rotina do bar e de seus frequentadores, entre eles, a alcoólatra Marsha (Jessica Lange), última amante da sexta geração de Horace (já falecido). Razão pela qual tio Pete a considera, praticamente, membro da família. Além dela, o bar também é frequentado por clientes que discutem suas visões políticas e sociais.

Apesar de oferecer um bom leque de personagens coadjuvantes (representados pelos clientes), que dão um ritmo e uma pitada a mais na trama, a minissérie mantém seu foco em Horace, Pete, Tio Pete e Sylvia (Edie Falco), irmã dos proprietários do bar. Lutando contra um câncer, ela tenta convencer Horace a vender o local, que ela acredita ter conseguido se manter em pé graças ao sofrimento e os sacrifícios de terceiros. Sylvia odeia seu passado e a obsessão de sua família em manter as tradições. Atrelada ao bar, onde o tempo parou, ela sonha em seguir em frente com sua vida.

Em uma época em que o politicamente correto predomina nas produções da rede aberta americana, Horace and Pete resgata o que as produções das topical sitcoms tinham de melhor: o debate ideológico aberto e sem rodeios, que coloca ‘o dedo na ferida’ sem se submeter a uma autocensura.

A minissérie surge como uma pequena amostra do potencial que a TV americana tem de oferecer produções com personagens que têm coragem de olhar para dentro de si mesmos, muito embora ela esteja perdida no meio das centenas de série que a TV estreia a cada ano, muitas delas oferecendo para o público uma imagem idealizada daquilo que gostariam de ser.

Bob Odenkirk em 'Better Call Saul' (Foto: Ben Leuner/AMC)
Bob Odenkirk em ‘Better Call Saul’ (Foto: Ben Leuner/AMC) ()

4. Better Call Saul – 2ªT – Drama – Estados Unidos

Prelúdio de Breaking Bad, a série apresenta a transformação de Jimmy McGill (Bob Odenkirk) em Saul Goodman, o advogado de Walter (Bryan Cranston).

A história tem início cerca de seis anos antes da primeira temporada de Breaking Bad. Jimmy, um vigarista que se torna um advogado de porta de cadeia, luta para se estabelecer profissionalmente. Astuto e com boa lábia, ele se esforça para se manter dentro da lei enquanto tenta ganhar dinheiro e conquistar o respeito do irmão Chuck (Michael McKean), um advogado renomado que passa por um momento difícil em sua vida.

A relação entre os irmãos é o tema principal da série até o momento. Ela define os personagens, suas atitudes e situação. Através deles, Better Call Saul resgata os antigos filmes de faroeste.

Adotando uma narrativa introspectiva e detalhista, a série está construindo lentamente um cenário no qual os irmãos protagonizarão um duelo no qual ‘apenas um poderá sobreviver’. De um lado está Jimmy, um homem movido pelo prazer e paixões, reagindo às situações conforme elas vão acontecendo; do outro está Chuck, um homem frio, paciente e calculista, que planeja minuciosamente cada movimento.

Apesar das boas intenções, Jimmy utiliza meios questionáveis para alcançar seus objetivos, razão pela qual entra em atrito com o irmão. O principal objetivo de Jimmy é o de desafiar ‘o sistema’ mantido por segmentos da sociedade que, tendo adotado regras de conduta e uma determinada linha de pensamento, se estabeleceram à custa de terceiros.

Explorando as falhas deste ‘sistema’ e das pessoas que o mantêm, Jimmy consegue penetrar ‘neste paraíso organizado’, provocando instabilidade e insegurança. Chuck, por sua vez, é um homem que aprendeu as regras e adotou esta linha de pensamento para poder fazer parte do ‘sistema’ e, assim, se tornar um daqueles que o mantém.

Nesta segunda temporada, o público acompanha a transformação de Chuck, inicialmente apresentado como um homem honesto e extremamente exigente, que luta para manter seu bom nome, bem como eliminar qualquer possibilidade de Jimmy (e seus métodos questionáveis) se estabelecer em seu campo de atuação. Mas, no momento em que Jimmy demonstra ser capaz de usá-lo para atingir seus objetivos, Chuck se torna um homem obcecado, motivado por uma vingança pessoal. A partir daí, ele se revela capaz de utilizar os mesmos métodos questionáveis de Jimmy para atingir seu objetivo.

Donald Glover em 'Atlanta' (Foto: FX/Divulgação).
Donald Glover em ‘Atlanta’ (Foto: FX/Divulgação). ()

5 – Atlanta – 1ªT – Comédia – Estados Unidos

Esta é mais uma comédia que integra o segmento de séries ‘com ares de produção independente’. Fazendo uso de uma situação simples e sem contar com um grande número de personagens fixos ou um visual fantástico, nem se preocupar em contentar uma grande audiência, Atlanta apresenta uma crônica da vida de pessoas que estão situadas em um determinado ambiente. Neste caso, personagens que tentam fazer carreira no mundo do hip hop de Atlanta.

Criada e estrelada por Donald Glover, a história gira em torno de Earn, um músico frustrado que, sem dar satisfações a ninguém, largou os estudos na Universidade de Princeton. Agora sem dinheiro e sem um lugar para ficar, Earn dorme de favor na casa da namorada, com quem tem uma filha, mas com quem não mantém um relacionamento sério. Ao saber que seu primo Alfred (Brian Tyree Henry), um aprendiz de traficante, está começando a despontar na internet como o rapper Papper Boi, Earn tenta convencê-lo a aceitá-lo como seu agente.

A partir daí, os dois passam a transitar em diversos ambientes de Atlanta, apresentando ao público o ponto de vista e comportamentos de diferentes personagens, que mesclam o realismo com o surreal e o experimental. Earn (e por vezes Paper Boi) atua como uma espécie de narrador, personagem tradicional de uma série com perfil antológico. Sem compartilhar suas opiniões ou sentimentos com o público, ele vai entrando em contato com os demais personagens (que também não sabem muita coisa sobre Earn), oferecendo um olhar irônico, por vezes cruel, do cenário local e a forma como as pessoas se relacionam com o ambiente.

Além da música, a situação dos negros na sociedade americana, bem como a violência (em diversas formas e níveis) e a forma como as mídias sociais influenciam a vida das pessoas e seus relacionamentos são temas que acompanham a trama ao longo da primeira temporada, sempre apresentados sob diferentes pontos de vista (por vezes auto-satírico), mas sem adotar uma linguagem didática ou se impor como uma verdade única.

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John Turturro em ‘The Night Of’ (Foto: HBO/Divulgação) ()

6 – The Night Of – Minissérie – Drama – Estados Unidos

Este é um remake americano da série britânica Justiça Criminal/Criminal Justice que foi originalmente desenvolvido para ter sete temporadas estreladas por James Gandolfini. A morte repentina do ator transformou o projeto em minissérie, muito embora ainda haja a possibilidade do canal HBO encomendar novas temporadas. No lugar de Gandolfini, o canal contratou primeiro o ator Robert De Niro, que acabou se afastando da produção por conflitos de agenda. Assim, John Turturro foi chamado.

Na história, quando Naz (Rizwan Ahmed), um jovem americano de origem paquistanesa, é acusado de matar uma mulher, Stone (Turturro), um desleixado advogado de ‘porta de cadeia’, se apresenta como seu defensor. Ao longo dos oito episódios produzidos, a minissérie retrata o processo jurídico e a forma como cada personagem lida com ele. Vemos não apenas a situação do acusado e de seu advogado, mas também da promotoria, do investigador que cuida do caso e da família da vítima.

O que mais chama a atenção na história é a forma como as regras do sistema já estão profundamente arraigadas em cada personagem a ponto deles se submeterem pacificamente à burocracia de um processo. Cada personagem passa a impressão de que já está resignado em ser parte da engrenagem que mantém a máquina. Embora não adote o surrealismo kafkaniano (muito pelo contrário), The Nigh Of resvala no livro O Processo, ao apresentar a falta de humanidade do sistema, no qual cada um faz a sua parte, vivendo em um mundo onde a violência e o distanciamento emocional se tornaram ordinários.

Ao ser preso, Naz, que alega inocência, segue sua trajetória na cadeia submetendo-se candidamente à rotina da prisão, onde passa pelo processo de transformação de um rapaz com tendências para cometer atos violentos em um prisioneiro capaz de cometer crimes para se manter vivo.

A experiência de Stone como advogado também o leva a manter uma postura de alguém que já percorreu inúmeras vezes ‘o caminho das pedras’, portanto já sabe como o sistema funciona, a ponto de antecipar diversas situações e não se envolver emocionalmente com as pessoas, embora sua determinação (e seu interesse em ter um grande caso nas mãos) o mantenha em um caminho em que seja capaz de oferecer ajuda a quem precisa.

O mesmo ocorre com o policial que investiga o assassinato. Mesmo sabendo que outra pessoa poderia ter cometido o crime, Dennis Box (Bill Camp) constrói o caso em torno de Naz e o entrega à promotora Helen Weiss (Jeannie Berlin), que se contenta com a quantidade de provas contra o rapaz, seguindo adiante com o processo.

Neste meio tempo, vidas são destruídas sem que isto impeça ou interfira no andamento do processo, que se torna o personagem mais importante da trama.

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‘The Writer’ (Foto: Keshet International/Divulgação) ()

7 – O Escritor/The Writer – Minissérie – Dramédia – Israel 

Divulgada como a história de um homem que tenta reescrever sua vida, The Writer é uma série criada pelo palestino Sayed Kashua, que se inspirou em suas próprias experiências.

A história acompanha a vida de Kateb (Yousef Sweid), um roteirista palestino bem sucedido de quarenta e poucos anos que passa por uma crise existencial. Após anos atuando no mercado televisivo, no qual se estabeleceu com uma comédia que narra de forma caricata a rotina de uma família palestina em Israel, Kateb começa a questionar o sentido da vida.

Neste cenário, Kateb luta para manter seu casamento (que passa por uma profunda crise) e sua identidade cultural. Ao longo da série, ele começa a perceber que, apesar de seu sucesso na TV, ainda não conseguiu definir sua posição na sociedade de Israel, ao mesmo tempo em que é cobrado pela comunidade palestina de divulgar publicamente sua opinião sobre o conflito árabe-israelense.

Passando por uma crise criativa, ele encontra dificuldades em desenvolver um novo projeto de série, o que o leva a questionar a forma como os israelenses o vêem. Teria ele sido de fato aceito pela sociedade israelense ou ele seria apenas uma ação de marketing televisivo ou um fantoche de uma política de integração? Esta questão política é, ao longo dos episódios, apresentada em segundo plano ou apenas como referências para situações e personagens. Um único episódio trata do tema de forma direta, quando uma ativista árabe começa a pressionar Kateb para se manifestar publicamente sobre a questão.

Enquanto sua situação social explora os conflitos culturais, sua relação com a esposa oferece ao público seu ponto de vista pessoal sobre casamento e família.

Phoebe Waller-Bridge em 'Fleabag' (Foto: Channel 4/Divulgação)
Phoebe Waller-Bridge em ‘Fleabag’ (Foto: BBC/Divulgação) (Amazon Prime/Reprodução)

8 – Fleabag – 1ªT – Comédia – Inglaterra

Criada e estrelada por Phoebe Waller-Bridge, a série é uma adaptação de seu monólogo encenado na Inglaterra e Escócia entre 2013 e 2015.

Na história, Phoebe é uma mulher que tenta lidar com uma tragédia pessoal. Boo (Jenny Rainsford), sua melhor amiga e sócia em uma cafeteria, morreu deixando-a sozinha para cuidar de um negócio que está ameaçado de fechar as portas. Desejando mantê-lo, ela tenta conseguir ajuda de uma instituição financeira, mas sem sucesso. Resta sua família, que está em melhor condição que ela. Mas Fleabag (que significa uma pessoa desagradável), como ela se considera e se apresenta, é incapaz de deixar o orgulho de lado para pedir a ajuda deles.

Ocorre que sua relação com a família não é das melhores. Sua mãe morreu há alguns anos, o que levou seu pai a se casar novamente. Sua madrasta (Olivia Colman) é uma artista plástica de sucesso que sonha com o dia em que nunca mais verá Fleabag na vida. Neste meio tempo, mantém as aparências e uma convivência social com ela, apesar de constantemente criticar indiretamente o comportamento da enteada. Já seu pai (Bill Patterson) aprendeu a manter uma relação distante com a filha, demonstrando temer a forma como ela reage às situações que fogem ao seu controle. Para piorar, o pai é dominado pela atual esposa, o que o leva a lutar para mantê-la feliz, mesmo que isto prejudique sua relação com as filhas. Entre os membros de sua família, a pessoa mais próxima de Fleabag é sua irmã Claire (Sian Clifford), uma mulher insegura casada com um homem que constantemente coloca em risco sua relação com a esposa.

A forma que Fleabag encontrou para controlar o caos emocional em que vive foi a de manter um olhar irônico, por vezes sarcástico, sobre as pessoas que a cercam e as situações em que se envolve. Trocando de namorado como quem troca de roupa, ela faz uso do recurso de romper a quarta parede para criar um vínculo com o público, revelando para o telespectador suas opiniões e sentimentos conforme as situações vão ocorrendo.

O que mais chama a atenção na série é a maneira como o roteiro consegue sutilmente conduzir o olhar do público, levando-o a fazer a passagem de um ponto de vista para outro. Ela inicia com o telespectador preso ao ponto de vista de Fleabag, que introduz os personagens e as situações que serão desenvolvidas, compartilhando com ele sua história. Mas aos poucos, e de forma quase imperceptível, a série começa a ampliar o olhar do telespectador, sem contudo se desprender da protagonista. O comportamento dela e a forma como ela expressa sua opinião para a câmera ultrapassam a narrativa simples de contar sua versão da história para revelar o ponto de vista dos demais personagens, mostrando que nem tudo é o que parece ser.

Comentários, flashbacks, personagens e situações que tinham passado quase despercebidos nos primeiros episódios começam a ganhar uma nova proporção conforme a temporada de seis episódios vai se aproximando do final, revelando um ambiente mais complexo e traumático, o qual justifica ideias e comportamentos que antes pareciam sem importância.

Como um todo, a série acompanha o processo de um prolongado luto (que teve início com a perda da mãe quando ela e sua irmã eram mais jovens), resultando na difícil compreensão de uma vida dominada pelo comportamento destrutivo, caos emocional e pela solidão.

Regina King e Trevor Jackson em 'American Crime' (Foto: Ryan Green/ABC)
Regina King e Trevor Jackson em ‘American Crime’ (Foto: Ryan Green/ABC) ()

9 – American Crime – 2ªT – Drama – Estados Unidos

Esta é uma série antológica, que narra uma história diferente por temporada, mas sempre em torno de um crime, explorando questões relacionadas a preconceitos étnicos, bem como de diferenças de classe e de opiniões.

A segunda temporada conta a história de Taylor Blaine (Connor Jessup), um rapaz que teria sido drogado e violentado por um colega de escola, sendo que fotos da agressão são divulgadas na Internet. O escândalo divide a opinião pública e a comunidade, levando a tensões étnicas e de classes.

A série estreou surpreendendo não apenas pela forma como desenvolve a trama proposta e seus personagens, mas também pelo fato de ser capaz de manter um nível de qualidade de TV a cabo em uma rede aberta. As produções exibidas na rede aberta tem a obrigação de atender diversos interesses comerciais e de público, mantendo uma relação afetiva com o telespectador através dos personagens fixos, ou da forma como desenvolve a história, ou de situações e ambientes introduzidos com este fim. Com isso, as produções são capazes de conduzir as opiniões e sentimentos do público. Isto levou as séries consideradas autorais a migrar para os canais a cabo.

American Crime poderia ser considera uma exceção. Embora não registre uma grande audiência, nem consiga aparecer na mídia como muitas produções de sucesso da rede aberta, ela se mantém na grade de programação da ABC, sem ter sua proposta alterada, embora a segunda temporada tenha oferecido uma história que apelou em alguns momentos para o lado afetivo do público.

Na primeira temporada, o telespectador não conseguiu encontrar tentativas de se conectar com o telespectador através de personagens ou situações afetivas, nostálgicas ou escapistas. A série ofereceu questões que promoveram desconforto, protagonizadas por personagens que têm comportamento ou maneira de pensar difíceis de se relacionar. Ela foi como uma topical sitcom que explorou de forma direta e realista questões sociais consideradas tabus na TV mas que, por ser um drama, não foram suavizadas por um toque de humor. A série também não apelou para a caricatura ou para o sensacionalismo para prender o interesse do público ao discutir temas importantes. Assim sendo, a primeira temporada de American Crime foi pesada e difícil de digerir, mas extremamente importante, especialmente se considerarmos o fato dela ter sido exibida em rede aberta.

Em sua segunda temporada, embora tenha mantido seu foco, a série suavizou um pouco sua abordagem, optando por se conectar com o público através de uma história protagonizada por adolescentes vivendo uma situação com a qual o jovem consegue se identificar, criando assim uma certa empatia com o telespectador: o estupro cometido por um colega de escola. No entanto, o tema não ficou limitado ao ato sexual em si, visto que a temporada também aborda o ‘estupro’ cometido pela burocracia das instituições, do sistema, das redes sociais e dos relacionamentos familiares.

O ponto fraco da temporada ficou por conta dos depoimentos reais que apareceram para sublinhar o que já tinha sido tratado na história. Este recurso, que foi utilizado para sensibilizar o telespectador, se tornou apelativo e redundante para uma série que já tinha conseguido tratar do tema da violência nas escolas sob diferentes pontos de vista.

'The Americans' (Foto: FX/Divulgação)
‘The Americans’ (Foto: FX/Divulgação) ()

10 – The Americans – 4ªT – Drama – Estados Unidos

Esta é uma série que consegue amadurecer a cada temporada produzida. Visto que seu final já foi determinado (ela encerrará sua produção na sexta temporada, em 2018), The Americans começa a explorar com mais propriedade as crises existenciais dos personagens, após passar três temporadas apresentando o ambiente e seus protagonistas, bem como seu passado e suas relações, estabelecendo assim uma relação afetiva com o público.

Situada na década de 1980, a série acompanha as vidas de Elizabeth (Keri Russell) e Phillip (Matthew Rhys), dois espiões da KGB que se fazem passar por um típico casal americano vivendo nos subúrbios com os filhos, Paige (Holly Taylor) e Henry (Keidritch Sellati).

A dupla recebe variadas missões, desde obter um objeto ou fórmula, até assassinar pessoas que colocam em risco as atividades da KGB no país. Enquanto realizam seu trabalho como espiões, os dois precisam manter as aparências, não apenas para a sociedade americana, mas também para seus filhos pré-adolescentes que, a princípio, não estão a par das atividades dos pais.

Em paralelo à história dos espiões, o público também acompanha os trabalhos do agente do FBI Stan Beeman (Noah Emmerich), um homem solitário que se separou da esposa, com quem tem um filho adolescente, e manteve um relacionamento amoroso com uma funcionária da embaixada russa.

A quarta temporada da série atingiu um ponto na história que deverá determinar o futuro dos personagens e sua trajetória. Além das questões políticas do período, que influenciam as atividades dos personagens, a série também apresenta a relação entre pais e filhos como um fator determinante na construção dos mesmos.

A vida dos pais e suas ideologias influenciam o comportamento dos filhos, seja de forma direta ou indireta, o que os leva a tomar determinadas decisões, as quais poderão fazê-los repetir os erros ou os acertos dos pais. Já o interesse pelo futuro dos filhos, bem como o comportamento e forma como os jovens vêem a vida, leva os pais a questionar suas escolhas e a maneira como se comportam.

O casamento de Elizabeth e Philip foi arranjado pela KGB com o objetivo de introduzi-los no país sem levantar suspeitas. Ironicamente, foi a mentira que levou este casal a se tornar verdadeiro, ao menos entre eles, já que cada um precisa confiar no outro para continuar existindo. No entanto, a mentira continuou fazendo parte da vida deste casal a partir do momento em que ele se viu obrigado a evitar que os filhos e as demais pessoas que o cercam, descobrissem sua verdadeira identidade, atividades e ideologias.

Quando a mentira é parcialmente revelada à filha mais velha do casal, este começa a questionar seus valores e interesses, especialmente quando a KGB demonstra interesse em obrigar Page a entrar para o serviço secreto. Page se torna o ponto de discórdia entre o casal, considerando que cada um deseja algo diferente para ela. O pai, cada vez mais americanizado, não quer que a filha seja espiã; já a mãe, que se agarrou às suas ideologias, acredita que suas crenças também servem à filha. Enquanto isso, Page, que luta para estabelecer sua própria identidade e crenças, entra em um conflito existencial por começar a perceber que, na verdade, sua vida não lhe pertence.

Muito embora a série retrate a luta entre duas ideologias (comunismo vs. capitalismo), dentro de um cenário histórico, The Americans não está presa à ideia de estabelecer qual sistema de governo é o mais adequado para uma sociedade, mas sim na forma como um sistema (seja ele qual for) controla e manipula a vida das pessoas.

Outras séries que se destacaram entre as boas produções do ano: 

Comédia/Dramédia: Girls, The Life of Rock With Brian Pern, Looking, Mum (UK), Silicon Valley, Togetherness, Veep e You’re the Worst.

Drama: The Crown, The Fall, The Hollow Crown, House of Cards, Outlander, The Missing, Mr. Robot e Wallander.

Ficção Científica/Fantasia: Black Mirror, The Expanse, Game of Thrones, El Ministerio del Tiempo e Westworld.

Minisséries: Rillington Place.

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