‘Toda Luz que Não se Vê’: o que esperar de minissérie sobre II Guerra
Inspirada em livro vencedor do Pulitzer, lançamento da Netflix usa a ficção para rememorar o papel crucial do rádio na resistência francesa ao nazismo
Em agosto de 1944, na França ocupada pelos nazistas, a jovem Marie-Laure LeBlanc (Aria Mia Loberti) vive na companhia de um único amigo: o rádio antigo legado a ela pelo tio-avô. Com o aparelho em mãos, a jovem, que nasceu cega, faz transmissões diárias de textos de Júlio Verne e apelos para que o pai e o tio voltem para casa. Um dos ouvintes, Werner (Louis Hoffman), jovem órfão alemão forçado a lutar na guerra, acompanha o sofrimento da garota — e se nega a denunciá-la às autoridades pela transmissão ilegal. Já disponível na Netflix, a comovente minissérie Toda Luz que Não Podemos Ver leva às telas o livro homônimo do americano Anthony Doerr, que venceu o Pulitzer com uma narrativa de esperança contra o totalitarismo — e que recorda a força do rádio na guerra.
Adaptada por Shawn Levy (Stranger Things) e Steven Knight (Peaky Blinders), e com nomes de peso no elenco como Hugh Laurie e Mark Ruffalo, a trama é fictícia, mas o contexto histórico em que se desenvolve é bem real: durante os anos da II Guerra, o rádio teve papel primordial para ambos os lados do conflito. Sua importância, inclusive, começa antes dele: em 1933, quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha, o ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, ordenou aos gigantes da tecnologia que lançassem no mercado um transmissor acessível à população. Antes restrito aos mais abastados, o aparelho passou a ser comercializado a preços populares com objetivo maléfico: levar a propaganda nazista ao maior número de alemães possível.
Veículo potente para a difusão da ideologia mortífera de Hitler e de informações manipuladas sobre a guerra, o rádio também serviu como arma de resistência a ela. Entre 1940 e 1944, os ingleses da BBC abriram as portas para que franceses exilados após a ocupação alemã se comunicassem com os compatriotas que ficaram no país. Batizada de Rádio Londres, a estação se contrapunha à propaganda nazista, e logo foi proibida pelo Führer, que impunha penas pesadas a quem fosse pego ouvindo estações estrangeiras. Lançada na clandestinidade, a emissora incitava a população a resistir aos invasores, e também servia de meio para a troca de informações entre os aliados e a resistência francesa, que se comunicavam através de mensagens codificadas.
A questão da culpa: A Alemanha e o Nazismo
As correspondências da história real com a série são instrutivas nesse sentido. Em uma cena, Etienne LeBlanc (Hugh Laurie), o tio de Marie, ouve na Rádio Londres a transmissão da primeira estrofe do poema Canção do Outono, de Paul Verlaine, código usado de verdade pelos aliados para informar que a invasão da França ocupada era iminente. Após alguns dias em que o texto foi entoado repetidamente na rádio, as tropas americanas tomaram a Normandia, em 6 de junho de 1944, data que ficou conhecida como Dia D.
Rica historicamente, a trama usa ainda um artifício valioso para expor o contexto violento: mostra o cenário desolador do conflito através dos sentimentos inocentes de Marie — a jovem cega questiona o pai por que os nazistas querem exterminar todos aqueles que, assim como ela, são diferentes. Do outro lado, a série retrata como um garoto prodígio alemão foi transformado em um soldado que, apesar de parecer “bonzinho”, também tem sangue nas mãos.
Como nem tudo é perfeito, a história dá espaço demais a tramas secundárias que acrescentam pouco à narrativa, como a busca de um oficial nazista por uma pedra supostamente amaldiçoada que daria imortalidade a quem a toca. Salvo do museu pelo pai de Marie, o objeto é referência ao esforço dos franceses para tirar obras e relíquias de seus museus antes da invasão nazista, impedindo que Hitler as confiscasse. Graças à determinação heroica de muitos — e à ajuda do rádio —, a esperança venceu a barbárie.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866
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