Série ‘Assassinato no Fim do Mundo’ coloca Agatha Christie na era da IA
Novidade do Star+ põe em xeque os excessos de um mundo ultratecnológico
Filha de um legista, Darby Hart (Emma Corrin) aprendeu desde cedo a ficar confortável perto de um cadáver — e a ouvir do pai, que a criou sozinho, os pormenores que caracterizam um assassinato. Sua outra atividade favorita também não era lá comum aos adolescentes: Darby nem tinha atingido a maioridade e já era uma hacker habilidosa. Ao unir as duas competências, a jovem começou a investigar crimes sem solução com a ajuda de outros programadores em foruns on-line. Logo deparou com uma realidade que não poderia ser chamada de coincidência: a maior parte das vítimas eram mulheres. Protagonista da série Assassinato no Fim do Mundo, novidade da plataforma Star+, Darby muda completamente de vida quando descobre um serial killer. Ao narrar a investigação em um livro, ela sai do anonimato e vira uma autora famosa, atraindo atenções diversas, inclusive a de um bilionário excêntrico com pinta de Elon Musk (vivido por Clive Owen). Convidada a participar de um retiro misterioso patrocinado pelo ricaço, e ao lado de figuras ilustres do ramo da tecnologia, ela vê a viagem dos sonhos se tornar um caso de polícia ao testemunhar uma morte suspeita — advento que logo expõe a relativização do valor da vida humana entre os presentes.
Coleção Agatha Christie – Box 1
A produção em sete episódios, lançados semanalmente, às terças, é cria do mesmo casal por trás da peculiar série de ficção científica The OA, da Netflix, os americanos Zal Batmanglij e Brit Marling (ela também atriz, intérprete da esposa do bilionário). A dupla bebe do cânone literário dos britânicos Agatha Christie e de Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes, para mergulhar de forma filosófica na complexa dualidade que separa ricos de pobres, homens de mulheres e, mais assustadoramente, humanos da tecnologia. Tal fórmula vem sendo bem explorada também pelo autor e cineasta inglês Alex Garland, nome por trás do filme Ex_Machina: Instinto Artificial (2014) e da série Devs (2020), ambas envolvendo megalomaníacos do Vale do Silício e mortes sem a devida Justiça em ambientes isolados — um paralelo da falta de legislação adequada sobre as empresas do ramo ou de autoridades que limitem as ações dessa turma.
Box Sherlock Holmes – Obra completa
No caso de Assassinato no Fim do Mundo, o enredo ganha um tom paranoico-claustrofóbico. Presos em um hotel ultratecnológico, no qual cada quarto conta com o olhar de uma inteligência artificial, os convidados vão de mestres da robótica e da criptografia até uma astronauta que pesquisa a colonização da lua (vivida pela brasileira Alice Braga). O grupo mira uma solução inovadora para o aquecimento global. Com o aparente suicídio de Bill (Harris Dickinson), um artista plástico e ex-parceiro de Darby, a arrogância do grupo se impõe: afinal, o experimento não pode ser cancelado com a perda de uma só vida — mesmo se houver um assassino entre eles. A postura carrega uma ironia: habitantes do mesmo planeta em crise climática, os que se veem acima do bem e do mal ignoram que suas vidas também estão em risco.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869
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