O drama da estrela infantil que sentiu alívio com morte da mãe exploradora
O devastador livro 'I’m Glad My Mom Died' (Estou Feliz que Minha Mãe Morreu) foi recém-lançado nos Estados Unidos
Jennette McCurdy tinha 11 anos quando percebeu que estava crescendo. E se desesperou: crescer significava concorrer a menos papéis como atriz infantil. Debra McCurdy, sua mãe, ofereceu uma solução: dieta com restrição radical de calorias para adiar a puberdade. Em casa, tirava medidas corporais e continha o apetite de Jennette, enquanto mentia aos médicos sobre o baixo peso da filha. O legado foi duro: a garota lutou por anos com transtornos alimentares como anorexia e bulimia, além de ansiedade e vício em álcool. A memória de como navegou pela fama indesejada e manipulada pela mãe abusiva é narrada por Jennette, hoje aos 30, no devastador livro I’m Glad My Mom Died (Estou Feliz que Minha Mãe Morreu), recém-lançado nos Estados Unidos.
Conhecida pela personagem Sam Puckett na sitcom iCarly, da Nickelodeon, a ex-atriz americana expõe um drama que não é novidade no showbiz. As chamadas stage mothers (ou “mães de bastidor”) de Hollywood são uma versão moderna das “mães de miss”: determinadas a transformar as filhas em estrelas, comandam cada passo delas e, em muitos casos, o sonho vira uma obsessão exploratória. A trilha de traumas deixados por essas mães passa por Judy Garland (1922-1969): a protagonista de O Mágico de Oz fazia dietas e consumia pílulas de anfetamina por incentivo da matriarca — que, dizem, era apelidada por Judy de “a verdadeira Bruxa Má do Oeste”. Já Brooke Shields, atriz de A Lagoa Azul, foi altamente exposta na infância pela ambição da mãe: aos 10 anos posou nua para a Playboy (sim, eram outros tempos); aos 13, interpretou uma prostituta infantil em Pretty Baby — Menina Bonita.
Poucas vezes se soube de uma trajetória infelizmente comum em detalhes tão impactantes como os expostos por Jennette. Ela conta que começou a carreira aos 6 anos, contra sua vontade. Na época, Debra era uma paciente de câncer em remissão e Jennette, a caçula de uma família com dificuldades financeiras. Logo cedo, a menina tomou para si a responsabilidade de salvá-los e de fazer a mãe feliz, acima de qualquer coisa. Narcisista e neurótica com a aparência da filha, Debra controlou cada passo de Jennette até a adolescência: dava-lhe banho, depilava suas pernas e fazia exames preventivos vaginais e de mama na menina. Quando chegou ao estrelato com iCarly, Jennette percebeu que odiava atuar e ser famosa. E o sentimento de culpa só aumentava. Por trás dos risos e piadas, havia uma jovem destruída.
Na Nickelodeon, seus distúrbios se intensificaram nas mãos de um produtor cruel. Mas isso era fichinha perto das diabruras maternas. Em 2013, Jennette perdeu Debra para o câncer. O luto, acompanhado de uma mistura de alívio e liberdade, veio ainda com a descoberta de que Debra havia mentido a vida inteira sobre o pai biológico da garota. Aos poucos, Jennette embarcou em processos terapêuticos para se curar dos traumas. Abandonou a carreira de atriz e hoje se arrisca como diretora e roteirista. Apesar de dilacerante, o relato é bem-humorado e atualmente lidera o ranking da Amazon americana. Jennette assume resignada que, sim, sente falta da mãe — mas sabe que seguiria prisioneira se ela fosse viva.
Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804
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