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Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming
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‘Meu Querido Zelador’ puxa – com brilho – a invasão argentina na TV

País abraça o filão das séries e dá seu toque cinematográfico peculiar a produções divertidas e cativantes

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 jul 2024, 08h00

Eliseo (Guillermo Francella) ama seu trabalho de três décadas como zelador de um prédio de classe média alta em Buenos Aires — onde também mora numa casinha humilde típica no terraço. Sempre solícito aos moradores e cheio de esquemas escusos para conseguir uma graninha extra, o homem vê sua paz em risco quando o presidente da associação de moradores (Gabriel Goity) inventa de construir uma área de lazer com piscina, academia e sauna no terraço — o que provocaria o despejo e a demissão de Eliseo, que agora seria trocado por uma empresa de limpeza profissional. Esperto, o funcionário decide lutar para manter seu emprego e sua casa pondo em prática planos mirabolantes para convencer os residentes de que sua presença é mais valiosa que uma piscina — mesmo que para isso precise mentir, manipular, chantagear e até causar divórcios em Meu Querido Zela­dor, série argentina que atesta o desejo do país latino em conquistar o filão de séries, após se impor como o melhor cinema autoral do continente. O comportamento peculiar de Eliseo se repete em escalas maiores na segunda e na terceira temporada, recém-chegada ao Disney+, que exibe igual vigor na guerra de ideais (e de classes) que faz a delícia dos espectadores.

Fruto de uma longa tradição de valorização do audiovisual, amparado por políticas públicas — atualmente na mira do presidente ultradireitista Javier Milei —, o cinema argentino se estabeleceu, com razão, como um dos melhores do mundo ao unir requinte visual e roteiros sagazes. A combinação ganha, nas mãos dos hermanos, um brilho que raramente se vê — é forçoso reconhecer — nos filmes brasileiros: autocrítica, irônica e sem cair na tentação de dar palco a egos inflados, a produção local alfineta os excessos e as breguices dos ricos e poderosos, avacalha todos os lados políticos e não se perde em ingenuidades maniqueístas. O mesmo frescor se reflete em séries como Meu Querido Zelador e O Faz Nada, outra pérola da Disney+ (que recentemente absorveu o catálogo do extinto Star+). Ambas as séries são criações da dupla Mariano Cohn e Gastón Duprat, que definiram o tom certeiro da nova safra portenha.

RECOMEÇOS - Antonia e Manuel (Luis Brandoni): empregada esforçada e dândi com novos propósitos
RECOMEÇOS - Antonia e Manuel (Luis Brandoni): empregada esforçada e dândi com novos propósitos (Star+/Divulgação)

Enquanto Eliseo luta contra pessoas influentes, Manuel (Luis Brandoni) de O Faz Nada é um crítico gastronômico esnobe e dândi que facilmente poderia morar no edifício do zelador. Ao contrário deste, porém, seu objetivo é manter a vida metódica e confortável que ostenta há quarenta anos, com a ajuda da fiel governanta Celsa (María Rosa Fugazot). Quando ela morre inesperadamente, o bon vivant a princípio resiste, mas logo joga a toalha: contrata uma paraguaia desesperada por emprego para aprender a cuidar dele. Os dois criam um laço de cumplicidade por meio da única coisa que têm em comum: a paixão por comida boa. Na minissérie de apenas cinco episódios, a fotografia de pratos refinados dá um toque especial às cenas. A cereja no bolo é a participação de Robert De Niro, astro de Hollywood que não gosta de atuar em séries, mas abriu uma exceção a pedido do veterano Brandoni, seu amigo de longa data. Após conquistar oito indicações ao Oscar — vencendo duas, por A História Oficial (1985) e O Segredo dos Seus Olhos (2009) —, os hermanos agora querem ganhar a maratona do streaming. E olha que eles merecem.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902

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